Confrários!: Neologismo utilizado pelos participantes da Confraria, nascido da junção das palavras confrades e revolucionários!

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Fragmentos da Poesia Marginal: "Sampa céu de brigadeiro"


SAMPA CÉU DE BRIGADEIRO
(Éric Meireles de Andrade)

Cidade de São Paulo,
Do céu, nuvens esparsas
O calor brotando
Em cada poro do corpo
Do todo, do sorriso, do querer.
Nem parece com a selva de pedra
Em que caminho pela garoa
Em cima da proa do navio.
Invadindo a poluição das avenidas
Do povo que agora sorri,
Esqueceu que só luta pelo dia-a-dia do seu escudo
E de um lugar nas pequenas marquises,
Em uma matemática exclusiva de espaços
Onde está a cinzenta cidade?
E as marquises, as sombras da selva?
Pelo meu olhar cego
Só consigo entender e ver poesia, luta e vida
De uma gente que se esconde noite e dia...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Ameiné"


AMEINÉ
(Éric Meireles de Andrade)

Não devo me atrever
A penetrar em seu mundo
Mas queria enxergar
Toda a sua luz

Deixe-me voltar a seu ventre
Chorar em suas mãos.
Assim, conhecerei o caminho das rosas...
E esquecerei a solidão e culpa.

Por que os paradoxos de você, mamãe?
Presença-ausência, existência-implosão, choro-sorriso,
Silêncio-silêncio...
Lembra-se de quando me fazia dormir?
Por que não me cativa com um cafuné?
Deixe-me voltar a ti,
Só assim comece a me conhecer...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Elementos"


ELEMENTOS
(Éric Meireles de Andrade)

Sinto-me sol,
Enclausurado na janela do presídio,
Tentando iluminar o canto, a cama, as grades
E esquentar o corpo que dói e está caído...

Sinto-me chuva,
Encharcando desejos que são sequestrados pelas marquises
Molho a terra, mas secam meu carisma, com a mera proibição de me sentirem...

Sinto-me fogo,
Alimentado como vela de sete dias
(muita cera, pouca luz)
Tentando em um lugar incômodo
Mendigar uma atenção

Mas mesmo sendo enclausurado, sequestrado, incomodado,
Sinto-me sol, chuva e fogo
Que capacita calor, suor e a luz
Para invadirmos o amanhã que nos seduz...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Balzaquiana"


BALZAQUIANA
(Éric Meireles de Andrade)

A você, mulher,
Que vive no mundo balzaquiano,
Continua em traços tão perfeitos,
Que remonta em ditos, feitos,
A perfeição que continua no passado.

Só que é mulher
Da mais rica e estonteante tristeza
Marca em seu olhar distante,
Um longo suspiro amante
Perdido em sua forma de buscar resistir
À sua profunda vontade de amar...

Pois amo sua esperança mulher,
Desejo seus espinhos, balzaquia mulher!...

Fragmentos da Poesia Marginal: "LU"


LU
(Éric Meireles de Andrade)

Labutavas pelo meu amor
Untando partes marcadas,
Corroendo a angústia adquirida
Instigando o desejo de trair-te...

Apesar de hoje,
Não sentires nada por mim,
Sinto-te cada vez mais perto de meus passos...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Mesa de bar"


MESA DE BAR
(Éric Meireles de Andrade)

Mesa de bar,
Enquanto passa o tempo... infindável!
Olho pelas grades
Sua tonta distância.
Perco-me em espaços eretos
Apenas peço um momento fugaz
Com tua sombra.

Aí, talvez,
Encontraria minha silhueta,
Viajaria na sua dor...

Só assim,
Saberia o que seu dorso
Não está no cume
Da montanha do longo Olimpo...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Canto de bar II"


CANTO DE BAR II
(Éric Meireles de Andrade)

Aqui estou,
Novamente em um canto de bar,
Bebendo suas amarguras
E olhando seu ventre.
Que nu, desolado,
Não roça na calcinha de ilusões...
E aí percebo,
Neste mesmo canto de bar
Vendo e sentindo tuas teias
Despenteiam-me ilusões,
Suga suores
E com esta boca, toda,
Chupa cada cálice
De esperma de meus devaneios...

E aí vem, chama o chefe dos copos,
Senta no tapete dos meus olhares
E brinca, que será um dia
O porta-retrato no criado-mudo
De minhas ilusões...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Menina-moça"


MENINA-MOÇA
(Éric Meireles de Andrade)

Feito o laço de prazer
Arranho-te no arder de nossos corpos
Burlando as leis do finito
Intocáveis ao sabor da descoberta...

Ainda sendo menina-moça
Notória luxúria nos envolve
Abrasados pelo sabor do desejo de amar...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Frígida"


FRÍGIDA
(Éric Meireles de Andrade)

Entre meu olhar e teus seios
Rogo que sejas minha
Imploro por deixares tocar
Com o fruto, conseguir te penetrar.

Rias de minhas súplicas
E não gozas no gozo do gozo.
Já és tão espiritual
Ao ponto de não sentir tesão?
Não peço que mudes
Só peço que me sinta...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Desejo"


DESEJO
(Éric Meireles de Andrade)

Olho para o seu corpo
Leio seus desejos
Imagino nossos corpos
Varando nossos sentidos
Entre o beijo e o lençol e...
Indo e vindo,
Roçar no sonho perdido
O amor que sinto por você...

Fragmentos de Poesia Marginal: Prefácio


PREFÁCIO

Em uma "mágica esperança", Éric Meireles de Andrade estreia seu primeiro livro de poesias. São fragmentos secos, diretos, com a força de uma juventude que persiste em sua alma. Conheci Éric trabalhando no departamento de Esporte e Lazer na Prefeitura de São Paulo e logo tivemos uma empatia direta. Éric chegava com a vitalidade daqueles que buscam “entoar a luta do povo”, dos que sensibilizam pelos seus “gostos e desgostos”. E seu canto mágico é de um louco são, “um homem que diz não...” e que se recusa a seguir as cartilhas impostas, tanto na métrica, como na vida. Em seus Fragmentos, Éric para, ouve o silêncio, apaixona-se por multidões e também por uma só, que do “quarto, nada mais é dona... Só o silêncio”.
A poesia marginal de Eric expressa a lucidez da revolta, “rompe a parede dos tempos”, ouve seu amigo chorar “Benito”, volta a “Minas que tardia”, reencontra sua mãe, sonha com “chuvas chorosas” e nelas busca a paz, bondosas chuvas para quem segura “o mar nas montanhas”. Em sua juventude, Éric é um homem de trinta anos (ou mais, ou menos, sempre continuará jovem), homem canhoto que persegue a primavera, “febril... de sangue... escrota... prima. Primavera Vera / beleza explícita de galhos calvos...”. Quem, poderia pensar em galhos calvos na primavera? Apenas quem tem a sensibilidade de olhar para um país como Brasil, tão infinito, tão exuberante, mas ao mesmo tempo com galhos tão calvos, de um povo que ainda não floriu plenamente. Mas que não desiste nunca, e insiste, navega, sorri. E olha além da floresta, como Mário de Andrade (mais uma identidade a me unir a Éric) “e escreve como modernidade quente o asfalto e o modernismo...”.
Em seus Fragmentos, agora em São Paulo, há tempo de parada na rua do Arouche, “Ô miséria de vida!”, numa rua que transborda, numa cidade que é muitas. Dialética, em “brigas simultâneas e desordenadas”, cheia de encruzilhadas onde o “oposto é ao mesmo tempo o mesmo”. E assim Éric foi aprendendo na terra em que há mais contrastes neste Brasil dos contrastes; antropofágico, aprendeu em São Paulo a ser “poeta e analfabeto”. Ao trabalharmos juntos, vi Éric se embrenhar nas periferias, viver nos programas sociais, na Bolsa Trabalho para os jovens e no Começar de Novo para os velhos. E unindo os dois, vibrando com cada conquista. Posteriormente, quando vim trabalhar no Ministério da Cultura, trouxe Éric; quem mais poderia se jogar com tanto afinco em vilas e favelas? Quem mais poderia brilhar a cada pequeno êxito de um jovem em um Ponto de Cultura? Sem descanso, Éric sorriu. Sem descanso, Éric chorou. Sem descanso, Éric decretou “Morte aos Elefantes Brancos”, brigou com a burocracia, com os percalços e os nomes frios. Mas foi na lucidez da revolta, olhando o “Ocaso de Paranoá” que não se esqueceu de “que hoje é simplesmente hoje, E amanhã, Talvez seja uma coisa diferente...”.
Boa leitura a todas e a todos, nestes Fragmentos há poesia de primeira qualidade, de um Brasil de primeira qualidade, marginal e que começa a florir.

Célio Turino
Historiador

Livro: Fragmentos da Poesia Marginal (Éric Meireles de Andrade)


Dados internacionais de 
Catalogação na Publicação (CIP)

"Fragmentos da Poesia Marginal"
Éric Meireles de Andrade
Editora Libra Três, 2006. São Paulo.
ISBN: 85 88240 08X

1. Literatura brasileira 2. Poesia brasileira – Século XXI