Confrários!: Neologismo utilizado pelos participantes da Confraria, nascido da junção das palavras confrades e revolucionários!

sábado, 1 de dezembro de 2012

Fragmentos da Poesia Marginal


Fragmentos da Poesia Marginal: "Pedido"


PEDIDO
(Éric Meireles de Andrade)

Por favor, não mate a poesia!
E nem ache que suas inspirações são divinas
Escreva e entenda o sabor de cada palavra
E divulgue outras sementes imaturas.

Por favor, conheça outros poetas
Que escreveram com sangue e suor o seu tempo
Mas liberte-se do olhar frio da academia
E nem tare pelo bolor opaco das bibliotecas.

Por favor, não repita os mesmos erros
De racionalizar todo o sentimento vão
Materialize em versos o valor da mudança
E não crie raízes com contemplações burguesas.

Por favor, siga sua trilha libertária
Sem se abater com críticas de especialistas de chumbo
Não se finalize em nenhuma escola literária
E forje a cópula dos paradoxos e das contradições.

Por favor, arme a poesia!
Seqüestre-a do elitismo e da letargia
Faça dela parte de milhões de vozes
Sem nenhum risco de ser panfletário.

Por favor, escreva também coisas belas
Misture o eufemismo com aliteração
Dê pitada de hipérboles amorosas
E traia as metáforas de madrugada.

Por favor, ESCREVA!
DIVULGUE! SOCIALIZE!
Cative a esperança com a mente aberta
E com punhos cerrados de amor e dor...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Canto de bar"


CANTO DE BAR
(Éric Meireles de Andrade e Marco Acco)

Nenhuma mulher me dá bola
Nenhuma puta me assola
Nenhum desejo consola
Nenhuma cama me esfola
Jogado neste canto de bar

A noite esbraveja o silêncio lá fora
Cá dentro boca voraz outro beijo devora
Em nenhum olhar me escondo
Me encontro no canto do bar.

Garçom, um copo de whisky
Risca o balcão de metal
Leito deixado teu olhar calhorda
Me apunhala e vicia despida
Vejo tudo de tudo deste canto de bar

Vejo tudo de tudo neste canto sem par...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Morte aos elefantes brancos"


MORTE AOS ELEFANTES BRANCOS
(Éric Meireles de Andrade)

Morte aos elefantes brancos!
Adornados de memorandos numerados
E pedras de ofícios.

Sepultem seu gosto burocrático
De sua carne gorda e corrupta
E sua medíocre tromba de domínio.

Morte aos elefantes brancos!
E morte aos seus donos de terno e gravata
(magnatas em potes de classe dominante
e moradores em castelos de marfim).

Não titubeie, fuzile seus passos de deboche
E suas patas de insensibilidade sádica,
Que castiga um povo com orçamentos frios,
E com filas, e com papéis, e com senhas, e com salas de espera.

Morte aos elefantes brancos!
Ódio aos seus pesos que sufocam
Aos seus dentes que maltratam
E suas bostas que tripudiam!

Sim, morte aos elefantes brancos!

Fragmentos da Poesia Marginal: "Academicismo"


ACADEMICISMO
(Éric Meireles de Andrade)

Grita o falso profeta, no fundo da sala:
-Poesia é harmonia!...

Eu, cá no canto dos esquecidos,
Dos amadores e malditos,
Penso e repito:
-Poesia não é apenas composição melódica.
Não se entrava na ditadura das partituras
E nem vive só do canto e trova
Ela desafina quando ameaçada sua liberdade
E não precisa se escravizar por uma nota dominante.

Outro falso profeta, vestido de casaca,
Grita esbaforido no outro canto da sala:
-Engana-se o falso profeta melódico,
Para a poesia, fundamental é ser metódico
E seu carro-guia é a rima!...

Eu continuo no canto dos esquecidos,
Dos amadores e malditos,
Penso e repito:
-Poesia é algo mais que rima
Não se pode perder a quentura com sinônimos frios
E nem se viciar nas escolas emboloradas do passado.
Ela é fruto da novidade efêmera e lasciva
E de rigor,
Rima combina mais com amante do que prima.

Outro falso profeta, míope e cadavérico
Na porta de saída grita:
-Poesia é rima, método e melodia sim,
Mas precisa estar casada com a métrica...

Eu, cá no canto dos esquecidos,
Dos amadores e malditos,Penso e repito:
-Poesia não está apenas na métrica.
Ela se quebra, requebra e às vezes
Uma palavra já diz toda estrofe.
Nem é preciso me deitar neste leito,
Pois pauta passada não se rediscute.

Nesta balbúrdia cansativa de acadêmicos carcereiros,
Um profeta falso, perto do microfone dos desentendidos,
Berra em som de novidade:
-Poesia é acima de tudo ritmo,
Sem ele, poesia se acaba e dá lugar ao conto!...

Eu, cá no canto dos esquecidos,
Dos amadores e malditos,
Penso e repito:
-Talvez a poesia seja ritmo...
Mas no papel, soa percentual apenas em palavras criadas.
O ritmo está nas tintas de canetas gastas
E também no mesmo compasso de minha cabeça dormente
E do meu coração que condena.
Ando com ele fora dos cadernos
Nas ruas que me compadeço
E nos sexos que despojaram meu caminho.

Peço a palavra na maldita assembléia de egoístas descoloridos.
Com voz de contador de causo
Que saiu do canto dos esquecidos,
Dos amadores e malditos
Digo e reflito:
-Poesia são metáforas...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Tico"


TICO
(Éric Meireles de Andrade)

Arianna, nome belo para tristes olhos gris
Rainha de sonhos ensaboados
Irmã de meio-irmãos inteiros
Armadilha de percalços desconhecidos
Núbia alva com cacos falidos
Natureza em fina construção de segredos
Assonância de pecados perdoados...

... Tico-tico gigante pintada de giz...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Solidão"


SOLIDÃO!
(Éric Meireles de Andrade)

Ao cabo de uma dor,
A despedida se avizinha com a tragédia.
Juntas, tramam a derrubada do sol,
O congelamento das pétalas,
O distanciamento de corpos
E o choro de castigo na boca ressequida.
Ao cabo de uma cor perdida,
Verdes olhos se transformam em colméias gris
O pranto vermelho aconchega com o azul solitário no armário
E cópulas laranjas de borboletas viram bruxas desconfortadas.
No mais, não sobra nem o consolo do colo.
O que não se quer não se vinga
E nem o que morre se redescobre.
O fim é o distanciamento do desejo
O descortinar de um amor marinheiro
E as perspectivas rotas das dobras das meias de uma puta.

Solidão!

Fragmentos da Poesia Marginal: "Mão canhota"


MÃO CANHOTA
(Éric Meireles de Andrade)

Aí está você...
Sentada ao ar livre
Jogando conversa fora
E guardando um homem no bolso.

Aí está você...
De boca amanteigada
E cor de mulher que tara.

Aí está você...
Enclausurando sua xota com a mão canhota
E balançando a cadeira como galinha no poleiro.

Aí está você...
E a três metros estou eu.
Entre nós, um namorado desatendido.
E sua mão canhota
Aprisionando sua xota...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Ocaso de Paranoá"


OCASO DE PARANOÁ
(Éric Meireles de Andrade)

Lago de Paranoá,
De céu conflituoso
Onde o infinito azul se digladia
Com nuvens gris reluzentes.

Lago de Paranoá,
Em seu contorno
Pululam iates em forma de pulgas.
Num passe de mágica, somem silenciosamente
Transformando-o num espaço solitário e deformado.

Lago de Paranoá,
O astigmatismo e a miopia de seus olhos cansados
Vão dando ao verde um tom melancólico
E abre sua cortina negra de mistérios e nostalgias.

Lago de Paranoá,
Em seu manto de ocaso tardio
Aparecem novos vaga-lumes estáticos
Iluminando uma cidade distante
E formada por tentáculos territoriais...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Nomes frios"


NOMES FRIOS
(Éric Meireles de Andrade)

Damos nomes frios ao conhecimento,
E também damos nomes frios ao desejo.
Lembrando o que o coração ouve
É o que a alma condena.

Damos nomes frios aos países
E também damos nomes frios ao infinito.
Um dia, oxalá,
Saberemos pular os muros dos territórios
E também saberemos que séculos,
São almas penadas puxando nosso pé.

Damos nomes frios ao ócio
E damos nomes frios ao amor.
Daí, não há risco de novidade,
Pois o que servem de fato ao homem
Continuam trancados na geladeira da calúnia.

Damos nomes frios à esperança,
E damos nomes frios à primavera.
Um dia, talvez, saberemos
A cor do girassol em dias nublados
E daremos verdadeiros nomes às flores.

Damos nomes frios ao frio,
E também damos nomes frios ao que é singelo.
Esquecemos que hoje é simplesmente hoje,
E amanhã,
Talvez seja uma coisa diferente...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Gleide Brait"


GLEIDE BRAIT
(Éric Meireles de Andrade)

Gostei quando entrou em meu mundo...
Lutando por novos ângulos de sol,
Enveredou-se nos programas sociais com gosto de novidade,
Indo conhecer outros espaços... Desejos...
Deixando sempre para trás
Escamas enroladas em teias de desgosto e decepção.

Bares, cervejas e conversas pagãs...
Reagia-se assim à hipocrisia quando segredos
Se transmutavam em noite,
Amarrados sempre no cotidiano estéril da repartição pública.
Inconvenientes, fomos sinceros quando nos apresentaram a neblina
E transformamos o descaso em barro, com descobertas em solo fértil.

E tudo isso numa fria repartição pública,
Com sonho marcado em cronômetros exatos
E com beleza construída em nova forma
De se fazer a nós mesmos...

Fragmentos da Poesia Marginal: "A Antônio Gades"


A ANTÔNIO GADES
(Éric Meireles de Andrade)

Morre um artista.
O flamenco hoje chora...
Ninguém dançará por sete dias
Porque o palco perdeu seu toureiro.

Morre mais um camarada,
De passos leves e princípio ativo.
O que ouviremos para nosso consolo
É o choro da guitarra,
E a nítida sensação
De toda sua presença flamenca...

Fragmentos da Poesia Marginal: "A natureza das coisas"


A NATUREZA DAS COISAS
(Éric Meireles de Andrade)

A natureza das coisas
Está na beleza do simples,
É a ousadia da comunhão entre os homens
E tem o doce sabor do amor e da amizade.

A natureza das coisas
Tem a união de pequenas partículas
Que se transformam em montanhas,
Está na inteligência decodificada da virtude
E é a coragem de lutar com ternura.

A natureza das coisas
Está também na importância do vazio
É a racionalidade contemplativa vencendo os templos
E não temer a morte,
Que a vida traz sempre consigo no bolso.

A natureza das coisas
Está nos anseios do avaro e do humilde
É a contramão da bonança e da miséria
E tem lápides escritas com o sangue dos tolos e dos sábios...

... Como dizia Demócrito antes de Cristo,
A natureza das coisas
Está na bondade dos homens que dormem tranqüilos
E no caminho sujo daqueles que acompanham os porcos...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Racionalismo"


RACIONALISMO
(Éric Meireles de Andrade)

Os tratores apodrecem a calma...
Entre a produtividade e a altivez
Não se escolhe ser puro e qualitativo.

A politécnica social, o saber multifacetado,
A generalidade objetiva e imperdoável
Trancam-se e ficam de mal com a sociedade
Que tapa o buraco ardido da ciência,
Com especialismos frios e inexatos.

Agora, só se sabe ter o que fazer, trabalhar,
Pensar como um chip imbecil
Ou como uma geladeira mal-educada.
Matam-se homens honestos e heróis
E colocam cães nas árvores genealógicas.

Mundo tacanho, maldito e subjetivesco,
Panacéia de mal-humor e precocidades descabidas.
A humanidade enfrenta o leão do tédio
Com a faca amolada do cronômetro da produção
E a vida se esvai, como espuma frígida de uma coca-cola.

Humano coisificado, dinheiro adorado,
O que se faz é construir presídios do tamanho de uma capital
Bombas que formam rosas mortais e irracionais
E tristezas como estrada perpétua de nossas tristes vidas...

... Vidas estúpidas de humanos coisados,
Vidas de um fantasma chamado trabalho...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Eterno nascimento"


ETERNO NASCIMENTO
(Éric Meireles de Andrade)

A cada dia aprendo mais com São Paulo...
E sou em miniatura, um moço de 450 anos
E também sou solitário e tenho dias nublados
Aqui, aprendi que garoa é soluço de trópico
E arranha-céus são estrelas prostradas no chão.
É uma cidade galante nos farrapos das favelas!

Piratininga de Anchieta
Asfalto e modernismo de Mário de Andrade
Aqui foram paridos os filhos de João Ramalho
E esfolados os escravos e proletários estrangeiros...

Assim, há a cidade dos contrastes:
Num dos Itains, o luxo da violência desempregada,
Enquanto o outro xará é cool o barulho de carros antigos.
O brega fede a cédulas lançadas nos carnavais da Paulista!

Antropofagia que brota noite e dia,
Desassossego, morbidez alegre e internacional
Espaço abarrotado de sonhos de uma urbe arlequinal.

São Paulo que me ensinou a ser poeta e analfabeto,
Estranho moedor de carne com recheio de cimento
Cidade sofrida, de Arnaldo Antunes em eterno nascimento...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Ano novo"


ANO NOVO
(Éric Meireles de Andrade)

Hoje, lá fora de casa
Chove...
Um choro fino e raro
Que pausa o sorriso do verão.

Hoje, lá fora de casa
Faz frio...O antagonismo picaresco
Que só a natureza desvenda e nos oferece.

Hoje, lá fora de casa
Há o cansaço pós-feriado.
As famílias se reencontram desdentadas
E com fome da embriaguez vencida.

Hoje, lá fora de casa
descansa entorpecida a morte.
E a vida, gozada e tranqüila
adormece em seu sono perene.

Hoje, lá fora de casa
Encabulo com os livros que leio
Meu coração chora como chuva fina
E minha febre suplica mudança de destino.

Hoje, lá fora de casa
Juiz de Fora é São Paulo mais nova...
Não há ruídos de vozes ou passos,
Apenas esperança de noite garoada,
Se transformar em dia de mormaço crasso...

Tudo se esquece e nada acontece,
Hoje, lá fora de casa...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Nostalgia rubra"


NOSTALGIA RUBRA
(Éric Meireles de Andrade)

Sinto falta da militância quente
das palavras que diziam com o coração
E minha mente ebulia mudança e revolução.

Sinto falta de estar organizado,
das reuniões que decidiam os rumos do mundo
E um coletivo que era eu mesmo.

Sinto falta...

Sinto falta da fome que eu tinha de teoria
E... quando me alimentava dela
Mais faminto e rico de vida era.

Sinto falta do desapego mundano,
Do pão com mortadela, das pixações da meia-noite
E das manifestações que enfrentava o status quo.

Sinto falta das bandeiras hasteadas
Sentir-me internacional em São Paulo arlequinal
E cuspir nas luxúrias ao culto do mercado.

Sinto falta do amor que dava à luta,
Da certeza inabalável na vitória,
Do cheiro doce e rubro de ser comunista...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Contos da meia-noite"


CONTOS DA MEIA-NOITE
(Éric Meireles de Andrade)

Depois de amanhã é ano novo.
Cheguei ontem em São Paulo
Preparando-me para o sorriso de meu amor.

Ligo o rádio para voar o tempo
Pego a caneta e antes de escrever um poema
E me rebaixo em contas infinitas.

O tempo passa em compasso egoísta
Ainda assim, descanso a caneta e as camisas já estão passadas
E troco o rádio pela TV sem graça.

Estou enfadado... Não sei o que faço...
Mas na hora de meu total desalento
O milagre pula em forma de programa.

Começo a ver e ouvir um conto na TV,
Brasileiro por princípio e adorável por essência.
É meia-noite, e a arte se funde na tosca tela.

Paraíso de novidade!
A cultura mata por segundos a massificação vulgar.
É presente de ano novo
É novidade viva, com cheiro de arte e povo...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Não preciso!"


NÃO PRECISO!
(Éric Meireles de Andrade)

Eu não preciso de nada disto!
Não preciso do cigarro que me envenena
Não preciso da bebida que me entorpece
Não preciso das putas que me amaldiçoam.

Não preciso de nada disto!
Não preciso ficar calado quando grito
Não preciso sorrir quando não quero
Não preciso esperar um amigo quando caio.

Não preciso de nada disto!
Não preciso rezar para ser salvo
Não preciso abaixar a cabeça quando quero é levantá-la
Não preciso ser hipócrita quando falo.

Não preciso de nada disto!
Não preciso do dia quando amanheço
Não preciso me alienar para ser justo
Não preciso do gozo para estar satisfeito.

Não preciso de nada disto!
Não preciso amar quando sinto repúdio
Não preciso dormir quando leio um manifesto
Não preciso elaborar quando faço.

Não preciso de nada disto!
Não preciso de porcarias para me alimentar
Não preciso estudar o que não me elucida
Não preciso peidar para ser indigesto.

Não preciso de nada disto!
Não preciso de horários que escravizam
Não preciso das borboletas quando admiro as lagartas
Não preciso da fumaça quando atiço fogo.

Não preciso de nada disto!
Não preciso da morte quando ainda vivo
Não preciso ser velho quando ainda nem nasci
Não preciso ser assado quando quero ser assim.

Não preciso de nada disto!
Não preciso estar preso para valorizar a liberdade
Não preciso dançar para ter sensualidade
Não preciso ser burro para ser útil.

Não preciso de nada disto!
Não preciso de minha boca quando olho
Não preciso da saliva quando desejo
Não preciso da lágrima quando choro...

... Amém...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Dialéticas"


DIALÉTICAS
(Éric Meireles de Andrade)

Brigas simultâneas e desordenadas...
O oposto luta por seu espaço
Para continuar um ciclo de mesmice.

Um oposto que é ao mesmo tempo o mesmo,
E sua luta em seguir a reta do caminho
Perpassa pelas encruzilhadas das escolhas.

Mas há a necessidade da mudança...
O número não deve acompanhar a qualidade
E nem o gozo em rostos distintos de prazer.

Lutas dialéticas entre o velho e o nada
Entre a qualidade e o tudo,
Entre a quantidade e o novo...

Fragmentos da Poesia Marginal: "O texto e a poesia"


O TEXTO E A POESIA
(Éric Meireles de Andrade)

Hoje, em vez da noite
Me presentear com um poema,
Tenho que me contentar
Com a presença de um texto frio.

Um texto chato
Parido por mim como um bastardo
E usado apenas para carregar
Meu salário e minha reputação de mentira.

São dois filhos de caracteres distintos...
A poesia carrega minha singeleza de menino
E a glande tesa de sonhos almejados.
É minha filha que me dá benção quando vai dormir.

Enquanto o texto
É corpulento de exatidões estúpidas
Bronco de liberdade em dizer além do óbvio,
Assexuado e ganancioso quando exposto numa ágora.

Mas o texto é feio e persistente,
Faz-me carinho quando estou dormente
E me embala cantigas de dormir
Quando luto contra minha insônia latente.

Enquanto a poesia é caprichosa e egoísta...
Carente de presença, quando não a percebo,
Persiste em chorar ao ver que não sou mais mancebo.
Sai de meu mundo e se esconde em tempos longos
E só aparece para beijar minha face marejada de saudades...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Poema do absurdo"


POEMA DO ABSURDO
(Éric Meireles de Andrade)

Estou farto de escrever o poema do absurdo,
Pois a ditadura democrática em que vivo não me permite.
Meus heróis foram mortos por defenderem a liberdade,
Enquanto outros (tantos), nos mostram suas caras de hipocrisia.

Eta mundo estranho, moco e torpe,
O óbvio da violência, do desemprego e da esquizofrenia social

Nos oprime e nos cala como claustro em meio-dia.
Mas ao óbvio só nos permitem criticá-lo sentado,
Mas nunca beijar sua face, molhar seu disfarce...

E quando pulamos o muro do silêncio,
Somos difamados e jogados na maldita masmorra
Do ostracismo democrático.

Por isso é difícil escrever o poema do absurdo!
Quando não mais acredito em palhaços,
Quando cuspo em falsos profetas oportunistas
E minha claustrofobia rompe prisões de martírio.Socorro!

Socorra minha alma alva!
E negra bela de belos sonhos.
Canso das mentiras de meus falsos heróis
E durmo sempre com o inimigo oculto
Babando de inveja na porta de minha alcova...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Rua do Arouche"


RUA DO AROUCHE
(Éric Meireles de Andrade)

Ô miséria de vida!
Em plena madrugada
O largo do Arouche não pára!
Os carros sim...
Param, buzinam, engolem bundas

De moleques que só vivem no escuro.
É uma primavera mórbida,
Estranha e fugaz.
A rua do Arouche transborda

De silêncios e tráficos de inocência.
É uma miséria de vida!
A alienação mente-corpo
De meninos velhos e mortos.

Toda a existência é pouca e moca...
Perdido num prédio cor de peixe,
Lá fora ouço a polícia subornar,
Os fracos de família comerem fiado
E a briga dos postes disputando o ponto...

Ô miséria de vida!...

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Fragmentos da Poesia Marginal: "A Mário de Andrade"


A MÁRIO DE ANDRADE
(Éric Meireles de Andrade)

Navegar numa fonte
Que teima passar pela ponte...

Um ronco, um zumbido,
Constrói poesia em língua de floresta.

O barco plaina no desconhecido
E o nome de ruas gestantes de São Paulo
É o resto de nossa língua Tupi.

Mas você olha além da floresta,
E escreve como novidade quente o asfalto e o modernismo...

São Paulo, contigo, é morada de espírito.
Cresce como floresta de cimentos descontraídos
E mulheres deselegantes que não renegam a noite.

Mas entre você há paradoxos em losangos cáqui:
Nos contos, cartas, poesias, repartições públicas,
Na língua cantada e em nossa raça multicolor.

Em sua caneta de insônia febril,
Não há espaços para rimas pobres, ocas e velhas
E não sucumbe à boca maldita de Pietro Pietra.

Em clima de serenidade arlequinal,
Contradições na paulicéia desvairada
Renegadas em prefácio interessantíssimo.

Em seis dias de reclusão na fazenda encantada
Passou em liberdade de anti-herói engajado
Unificando em pena nossas línguas de florestas brasis...

Ainda que Tupis, Jês, Nhegatus,
Portugueses, Tamoios e Guaranis...

...(Aquiete-se meu amigo,
Não seremos engolidos pela tristeza
Somos todos Macunaíma!)...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Aécio"

AÉCIO
(Éric Meireles de Andrade)

Aécio, nome de mineiro,
E homem que carrega olhos distantes de desejo.
Cria a esperança em futuro estéril
Imaginando se esconder no ponto onde não vê
Ou embrenhar-se no sentimento preso.

Riso de homem que enfrentou a ira do destino
E história calcária de menino órfão
Indo conhecer sua enciclopédia em rodovias
Serenas de nostalgia e traiçoeiras de vidas.

Dura vida tem este homem sábio
E tristeza latejante de poeta oculto!

Aécio, nome de mineiro,
Notório intelecto sem canudo
Doutor da honra de homens sinceros
Rogo-te em pranto de filho pródigo
E alvinegro de coração vermelho:
Deixa a intertextualidade da dor invadir outras casas,
E descanse sorrindo com seus netos e filhos arteiros...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Absyntho II"


ABSYNTHO II
(Éric Meireles de Andrade)

Gosto de amargura e solidão
Bebida que amamenta a embriaguez
Com a falsidade de um gosto licoroso.

Traz para a minha consciência
A facilidade de gozar inteligência
E paradoxá-la(?) com relações motoras.

Toda a vez que possuo
Guarda para mim o chão sujo dos bares
Como posição de reza em capela.

É a minha puta amada
A fonte de meus degelos
E a destruição de alicerces escondidos.

É você, meu vício tardio
Absinto de melancolia
Em plena luz do novo dia.

A ti, dou-me cansado e sinto
Saio alerta, mas combalido,
No resto de nada desta madrugada...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Primavera"


PRIMAVERA
(Éric Meireles de Andrade)

Primavera febril,
Que traz o calor na manhã estrelada
E frio em noites de zumbido.

Primavera de sangue,
Onde pesadelos assumem a janela
E sonhos são guardados para o próximo verão.

Primavera escrota
Que distraída, deixa suas folhas no outono
Caírem em relações partidas.

Primavera prima,
Que nasce com as flores perto de meu aniversário
E a cada mudança se cala rendida.

Primavera vera
Cheia de volúpia e ancas de abrigo
Pseudônimo de árvore que gosta de cio.

Primavera, despedida colorida de inverno alvo,
Primavera, beleza explícita de galhos calvos...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Trinta anos"


TRINTA ANOS
(Éric Meireles de Andrade)

Trinta anos de homem canhoto
Trinta e três contos de réis
Três novenas
Trezentos paletós
E três mil anchovas na bandeja.

Trinta pecados
Trindade de profecias pisoteadas
Triciclo de criança pequena
Trio de música caipira
Triátlon de cansaço almejado.

Três corpos na cruz
(O três na Bíblia é para se ter direita e esquerda)
Triunvirato de machismo mineiro
Pai, filho e irmão tri-stonhos
E trinta anos de um homem canhoto...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Quatro amigas"


QUATRO AMIGAS
(Éric Meireles de Andrade)

Tenho quatro amigas
Que corrompem meu tempo de madrugada.
E em becos de bar
Acompanham-me nos copos suados.

Uma delas é a saudade
Singela e caprichosa
É inseparável em noites de insônia,
Abrindo suas pernas e esperando perdida
Meu lapso de penúrias e saudades.

Outra é a tristeza,
Que habita em meus olhos de nascente de rio
Corrompida e desvairada
Não tem hora de se mostrar presente
E me lambe de medos e fantasias vazias.

A outra é a desilusão,
Rica, gorda e perene em datas mal-resolvidas
É a mais pálida de minhas amigas
E também a que me lembra de datas rotas
E de choros perdidos na multidão...

Mas há também minha outra amiga
Cafetina de pôr-do-sol apaixonado
E filha de lua cheia em exposição.
Seu nome é esperança, mulher espinhosa e bela
Inimiga de minhas três amigas
E fiel ao meu amor de sentinela...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Absyntho'


ABSYNTHO
(Éric Meireles de Andrade)

Deixa-me beber em paz!
A guerra suja a alma dos bons
E atravessa a sacada de prédios frios.

Deixa-me aqui, caído na festa de pagãos!
Olhando pernas intocáveis
E a fome que avassala fora deste recinto.

Deixa-me só, ouvindo músicas de ontem!
Que refletem o nicho de nada de hoje
E não sobra nem o gosto de ser de esquerda.

Deixa-me com meus trapos belos!
A observar idiotices de jovens velhos
Todos garbosos, mortos de incertezas vãs.

Deixa-me com meu absinto!
Titubear onde piso, não olhar minha sanidade
E perder-me onde não há mais vida nem saudade...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Identidades"


IDENTIDADES
(Éric Meireles de Andrade)

Como as pessoas são identificáveis!
O soluço da menina barriguda
Que chora em sua poça de miséria
É parecido com a gargalhada
De minha irmã mais nova.
E os berros do bêbado desempregado
São os suspiros tristonhos de meu pai.

Ali, tem um moleque vadio
Olhando desiludido o horizonte de cimento
Sua saudade de sentir esperança
Parece com o riso medido de meu irmão.

E mais à frente há uma velha desdentada
Contando suas moedas de veludo.
Com o cabelo preso de desconfiança...
É minha mãe quando a saúdo!

E aqui estou eu, parecendo com aquele homem
Contando histórias de sua bravura cândida,
Mas se perde em não sentir mais seus dedos,
Apenas a ilusão de sonhar seus pobres medos...

... Como somos identificáveis!...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Novo"


NOVO
(Éric Meireles de Andrade)

Um outro dia clama por uma outra aurora
Constituir novas luzes e contradições
E perseverar sobre um novo mundo.
Um novo sem neo, sem véu e cristal azul
Na comunhão de novo toque e ardor
E da fidelidade pura e contemporânea.

Um novo olhar à velhice de ser novo
Sem ser simplesco, tosco, vulgar e pérfido,
Nunca permitindo um amargo tom pútrido.

Um novo com cara de criança
de sonho teimando em se transformar em vivo
Ativo em sincronia de som.

Um novo gostado e sentido, Onde o egoísmo pagão de deus
Não atrapalhe o brilho do que são seus...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Cacos de maldade"


CACOS DE MALDADE
(Éric Meireles de Andrade)

No olhar perdeu-se o encanto
A noite, a lua e as estrelas
Sentem-se sós e desconfortáveis.
Ao sentir sua inebriada felicidade.

Felicidade de mulher só
Que busca no orvalho
O cheiro e gosto de seus amores
E logo após pisoteia seu coração falido.

Que triste é esta felicidade!
Brinca de ardores e chora de solidão
Vivendo seus momentos de imensidão
Acalenta-se apenas
Em catar seus cacos de maldade...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Tortura"


TORTURA
(Éric Meireles de Andrade)

O frio açoita minha solidão
A amargura do vento gélido
Silencia-me na busca
De seu lamentável erro.

Aqui, nesta casa sem luz
A noite chega como aconchego
Marca os cantos escuros de minh’alma
Vaga pelos meus pesadelos perenes
E vocifera por não tê-la vivido!

Tarde maldosa e sanguinária
Que bebe minhas lágrimas como néctar
Afana a alegria, destrói a beleza
E deixa-me só, sem o direito
De viver meu pobre lamento
E nem minha eterna tristeza...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Eclipse lunar"


ECLIPSE LUNAR
(Éric Meireles de Andrade)

Quando acontece o eclipse lunar
Há uma preocupação em seu sorriso
Temerosa com o destino
E com a ira dos deuses,
Acalenta-se apenas em dormir cedo.

Poucas lembranças se constroem hoje...
O mundo gira devagar
Sem perceber a si próprio.
As carnes são escondidas do sal
E não molha o gozo cru.

Tudo pelo eclipse lunar!
Há o casal que se separa
Por relembrar equívocos em frestas frias.
Toda a noite se esquece do dia
E a natureza se destila em óleo fino.

Parabéns pelo canto desacorrentado
Olhar perdido esperando o véu voltar
Oh lua, despedaça-te de castigo nua!
Mande sua luz de volta ao matagal
E acorde novamente o meu amor...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Neocapitu"


NEOCAPITU
(Éric Meireles de Andrade)

Jovem dissimulada
Mundana que ama
E odeia ao mesmo tempo.

Com quantos me traiu?
Culpa-me quando mente
Ou desencana de minha total existência?

Jovem amada,
Que adora se sentir insegura:
Quando se liberará do infatigável lamento
De não saber absolutamente nada sobre sinceridade?
Ama-se para não sofrer
Ou sofre por não amar?

Pedaço de desejo inteiro
Beijo lascivo cortado em pedaços
Cabeça de menina travessa
De mentira carrega apenas o traço, De triste sina de sua racionalidade solitária...
Mente sim, jovem dissimulada...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Corpo frágil"


CORPO FRÁGIL
(Éric Meireles de Andrade)

Sou sortido de muitas dores...
Meus rins gritam
E minhas costas choram.
Em mim, o corpo é ocioso e cru.

Tão chato e exigente
Que mesmo em minha mão dormente
Consigo ter febres e manchas nuas
E acordo com o queimar da coca-cola.

Sem pensar em minha insônia
E na perseguição neurótica
De minha face vespertina.
Só sobra, em triste companhia
Micoses e luxúrias cafetinas...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Natália"


NATÁLIA
(Éric Meireles de Andrade)

Quando eras mulher,
Tu, minha de boa vontade
Fizeste-me em teus olhos de penumbras
E me colocaste em teus seios de musa.

Quando eras menina,
Seduziste-me na boa vontade de sua dor,
Que onde olhavas as pedras de rebeldia
Achavas oráculos de dores vadias.

Quando eras incógnita,
E lamentavas de pertencer
Aos mesmos demônios-deuses,
Pedias-me que te jogasse
No puro poço do desconsolo.

Quando eras simplesmente tu,
Despias-me de coragem bruta de solidão,
E fadigas sofregamente em imensidão
Os eternos corpos, que te fazem
Mulher de todo e só coração...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Confrários!"


CONFRÁRIOS!
(Éric Meireles de Andrade)

Meus amigos escrevem poesias em pé.
Levantam humores rápidos,
Sentimentos dos mais rápidos
Aos mais meticulosos.

Meus amigos vivem poesias
Todos lêem poesias de outros poetas,
Dos mais requintados, exigentes,
Aos mais podres e imediatos.

Meus amigos escrevem poesias
E não se perdem na sinceridade,
Preocupam-se em não serem medíocres
E nem poeiras apodrecidas de livros.

Meus amigos escrevem poesias
E não poemas de pré-vestibulares,
Abanam a história dos homens
E se refrescam em frestas de peludas mulheres.

Meus amigos escrevem poesias,
Contemporâneas como são as revoluções.
Destilam-se na sensibilidade da luta,
E se abraçam, esperando o fim do dia.

Meus amigos escrevem poesias.
Chico César torce pelo Botafogo,
Guiberto Genestra bebe tertúlias,
A Mariana, que é safada, reza para deus,
E eu sou parte de todos.

Por esta liberdade de serem poetas,
Escrever é o fuzil singelo
De mandar ao expurgo de Antártida
Os medíocres “escritores” de escrivaninha.
E para o inferno de ilhas sem águas,
Os lambe-sacos que escrevem
Para o nada
(E de anáguas)...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Divagação"


DIVAGAÇÃO
(Éric Meireles de Andrade)

O toque absurdo é duro,
O duro amolece após o gozo.
Memórias se esvaem
Na tragada de cigarros proibidos.
O mundo gira, e a cabeça
Se aliena nas dores humanas.
O pecado mora ao lado,
Os chinelos estão guardados
E a alma vaga,
Para o limbo de dúvidas pagãs...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Rosto de nuvem"


ROSTO DE NUVEM
(Éric Meireles de Andrade)

Olha a menina que passa e chora...
De corpo umedecido,
Suas pálpebras enxáguam
O largo rosto de nuvem.

Menina brasileira
Que chora a mesma cor
De ninfas apaixonadas,
Pisa em seu âmago de miséria
E se contorce para seu clamor, tardia.

Amanhã,
Teus brinquedos serão proféticos.
Só fadiga seus mistérios de menina
E se cala, debruçando-se na chuva...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Despedida"

DESPEDIDA
(Éric Meireles de Andrade)

Todas as despedidas
São sempre as mesmas...
Olhos findos, rumando
Para outros portos nus.

Onde choramos lágrimas,
Dizemos tropegamente
O derradeiro e sinistro: “Eu te amo!”
(O amor se afasta de mais uma casa)...

Não nos apegamos mais nas coloridas flores,
Pensamos na ansiedade no fio de luz
E iluminar saídas estéreis e sem firmamento.

Todas as despedidas são iguais.
Ao cabelo armado de resistências
De gozos não ouvidos (nem sentidos).
Os retratos na penteadeira,
Transformam-se noutras perspectivas.


E está aí a vida
Para nos jogarmos num escuro
Beco de mudanças.
Tudo termina, começamos novamente
Para surpresos acasos
De delícias e perturbações.

Todas as despedidas renascem,
Mas são sempre as mesmas:
Os relógios estão em fusos distintos,
Morremos para outro dia,
E traímos nossas sólidas questões.
Com certezas descabidas
No preâmbulo de noites-dia
De pura desolação e descontentamento...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Fugaz"


FUGAZ
(Éric Meireles de Andrade)

De grande acerto, há sorte...
Parece que todas as pessoas,
Esquálidas, querem ser matriarcas
Numa terra de gordos...

Tudo parece eterno,
Mas no próximo segundo
Enganadas em refletir e repetir
O mesmo amor de ontem.

Tudo também é muito trôpego
Pessoas nascem e se reproduzem
Sem ao menos saber seu nome
Se não guardadas em abaixo-assinados.

Em tesão à flor da pele,
Nos perdemos e nos encontramos,
Em pessoas e sentimentos percentuais
E de sonhos, num estalo é desilusão.

Bebemos com ansiedade,
Sem sabermos se teremos
Direito ao próximo copo.
O que sobra em companhia
São mulheres e homens sem rostos
E um mundo rápido, que engolimos sem gosto...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Fim"


FIM
(Éric Meireles de Andrade)

Você foi embora...
Não sinto nada.
As lágrimas escondem
No meu coração de veraneio.
Para mim, retardatário
De carros de corrida,
Não entendia que
A festa tinha terminado.
Há muito tempo...

Ah! A distância é a mãe que aprisiona
E delimita todo varal de poesias,
Que antes variadas num realismo romântico,
Transformou-se em queda de arcanjos.

Às dez horas da madrugada,
O galo canta seu grito de despedida.
Hoje, nem a lua cheia aparece em céu límpido
Nem o sol aquecerá meu corpo traído.
O fim é o deserto sem répteis...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Xênia"

XÊNIA
(Éric Meireles de Andrade)

Tanta coisa poderíamos fazer...
Um tapa e um grito a cada dia
Fazia-lhe matriarca quixotesca
De elos e responsabilidades impostas.

De menina rancorosa,
Transforma-se em mãe
Com sorriso de mulher ansiosa.
Que adora prosa,
Mas se afeta com lástimas castelhanas.

O que mais admiro,
É que de mestra em salão de dança,
Rompe como medo de trovoadas.
Chora quando faz nosso pão,
Que é santo e sobrevive até as frestas de tesouro.

Mulher corajosa,
Carrega sempre ao peito
Amor de passados orgulhosos
E ainda briga com as mesmas facas,
Que afiadas apresenta sua imperiosidade.

De lagarta-bruxa se transforma
Em borboleta voadora,
Sobrevoa o mar em celo de Pégasus.
Em asas de Ícaro grego,
Reza a ladainha de s. Lucca judeu
(Assim, me ensina que dialética,
São suas mudanças planejadas).

Em dias de cimento,
Sua sensatez qualifica minh’alma,
Pois você é minha irmã,
Semideusa dos mitos da loucura
Matriarca de família inórbita,
Mulher de desejos quiçá alcançados,
E mãe de duas gerações de homens...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Mar imaturo"


MAR IMATURO
(Éric Meireles de Andrade)

Tanto e tudo,
Não passam de meras vivências...
Pra você, o sólido é tão insignificante
Quanto meu pedido de seus beijos...

Não te vejo entre meus sorrisos!
Sozinha, livre e desinteressada
Joga em minha face
Palavras ignóbeis, feitas de pouco caso.
Saudades... Tem saudades de sentir,
E ainda ri de meu lamento...

Penso, e logo abuso de minhas inseguranças,
E desbanca minha coragem
Com sua medíocre covardia.
Todo o dia me joga de lado para vigia,
E toda a noite, dorme sem minha silhueta.

Sim, deixo-te sem abalos travessos,
E nem quero que me acompanhe a agonia.
Quero remar sem porto seguro,
Pois o caminho certo de meu barco
É o naufrágio num mar imaturo...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Minas que tardia"


MINAS QUE TARDIA
(Éric Meireles de Andrade)

Até onde vou
Posso segurar o mar nas montanhas,
Onde falo, sinto e vivo,
Estarei indo ao vento de minha Minas,
Gritando por seu triângulo libertário.

Onde estou, como e calo,
Jogo no gargalo a pinga de família
Lasseados pelo latifúndio sombrio.

Onde choro, declamo meu penar.
Passo nas garoas sedutoras,
Sonhando com chuvas chorosas,
Bondosas, como a paz
Que ainda tardia...

Fragmentos da Poesia Marginal: "O quadro"


O QUADRO
(Éric Meireles de Andrade)

O quadro vem e desponta,
Belo, vigoroso, significativo e iluminado,
Rompe a parede dos tempos,
Dos pregos e das opressões
Para despontar na eternidade.

Mas os quadros não sentem,
Não se olham e não se encantam.
Ficam lá... estáticos...
Na busca de serem admirados...
(A arte não supera a vida da humanidade.
É dos homens que nasce a estética do tom,
Da mímesis, conjuntura e sabor em espiá-las)...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Subserviência colonial"


SUBSERVIÊNCIA COLONIAL
(Éric Meireles de Andrade)

Bandeiras estadunidenses
Tremulam no céu do Brasil...
Aviões e tanques ianques
Brandiram por nossa subserviência,
E estamos sós, aplaudindo a comédia do pierrô!

Nossas bandeiras tremulam amareladas
Em velhas e empoeiradas repartições públicas,
Nossos artistas falam o inglês,
Como sede de nossa língua-pátria.
E continuamos a nos ver sem espelhos...

Nossas crianças, analfabetas,
Perderam-se em danças estúpidas.
O fétido mercado deliberado
Engole suas almas vívidas
E assim, perdem a alegria da raça...

Sem língua, sem pátria e sem bunda,
Repetidas idiotices são ditas como verdade.
O branco, o azul e as estrelas,
Não acompanham nosso verde e amarelo,
E sim, o ocre pútrido
De nosso rico sangue de subdesenvolvidos...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Silêncio"


SILÊNCIO
(Éric Meireles de Andrade)

Silêncio...
Não vejo seus passos no trilho
E nem bebo a relva
De seus pêlos macios.
Onde está seu sorriso brejeiro?
Evaporou-se em minhas manias?
Sei que não tenho destreza
E que comungas com o não.

Silêncio...
E sua parte presente me despresenteia
Castiga-me pelo seu controle estúpidoDe arco fabril de beijos,
E de olhos famintos, esbugalhados,
No espaço finito do nada.

Silêncio...
Acordo vendo seu corpo perdido
No porta-retrato imaginário
Ao lado de minha cama real
Do quarto nada mais é dona...
Só do silêncio...

sábado, 17 de novembro de 2012

Fragmentos da Poesia Marginal: "O louco é são"


O LOUCO É SÃO
(Éric Meireles de Andrade)

Olhos esbugalhados...
O louco olha para sua janela.
Entre o céu quadrado e preso,
Ouve a voz de sua medusa
Gritar seu nome entre os rochedos.
Mas mais aquecido,
O louco reza na voz dos desesperados,
Brada cobras e lagartos,
E some no meio de seus devaneios.
Como o louco é são!
Um homem diz não...

E o empresário olha para a sua janela
Entre o céu quadrado
E persianas entrecortadas,
Ouve a voz do capital
Entre o cimento de prédios retangulares,
Posa como bom samaritano.
Como o louco é são!
Um homem diz não...

E nos olhos do bandido há lágrima!
Entre os pentelhos, a culpa.
Joga seus planos nas favelas,
E na solidão de suas misérias
Tocava rebeldia com os textos mal vividos.
Pela puta, sua perna,
Pela bala, seu desconsolo.
Como o louco é são!
Um homem diz não...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Todo dia"


TODO DIA
(Éric Meireles de Andrade)

Todo o dia me sacrifico um pouco
Nas cruzes de uma depressão mais forte e veloz
Pela minha aparência animada
Os desenhos de desastres circundam minha porta,
E não durmo feliz com os anjos!

Todo o dia bebo meus pesadelos
E sonho sonhar nunca o sonho,
Debruço-me na maldita fuga
E no descompasso incompetente do meu corpo.

Todo os dias eu leio meus jornais-murais
E minhas revistas de despudor
Minha cama se banaliza em sangue
E meus olhos lacrimejam desejos.

Todo o dia caminho com a maldição
De deixar tudo para depois,
E buscar uma tristeza nos ladrilhos
Amarrotados de musgos e choros de meio-dia.
E onde crio jardins, colho bordéis!

Sim, todo o dia estou contigo!
Se hoje tu chamas Ana
Amanhã se chamarás Joana,
E assim me escondo em pessoas
Mas sumo nas sombras de minha loucura.
Todo o dia, busco minha cura...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Suor"


SUOR
(Éric Meireles de Andrade)

Saiu de minha casa
E deixou seu cheiro como presença.
Quando vi seu corpo
Estampado no espelho que figurou
Em gemidos e costas beijadas,
Chorei... e busquei o resto de sua água-benta.

Você foi, e seu queixo
Marcou minha boca,
Que há pouco
Te engolia em sofreguidão
E a cada passo molhado,
Em seu chão virou caminho
De paraíso-selva de teu sexo.

E agora estou só
Ouvindo passos de seu estar
E busquei não mais olhar
Para cama, que ainda sua
Atrapalhada de tanto nos amar...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Quarto solitário"


QUARTO SOLITÁRIO
(Éric Meireles de Andrade)

Triste e distraído,
Vejo objetos em meu quarto
Mirarem minha cabeça sã.
Ouço meus medos e frustrações
E me debato sabendo o fim do livro.

Não busco nada no fim do dia
E sinto palpitar em cavalgadas
Meu coração vadio.
Temo a loteria de meu futuro
E minto sobre o verdadeiro
Sentido de minha solidão...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Benito"


BENITO
(Éric Meireles de Andrade)

Ouço meu amigo chorar
Na rede de suas desilusões,
Repartido de sentimentos contraditórios
Clama a justiça de seu amor desengavetado
E se despedaça em sua caixa de músicas...
O amor perde mais uma batalha!

E nunca satisfeito de suas inseguranças,
Tranca a voz para os ouvidos dos mortais
E dialoga com seu coração de pólvora.
Ferido, desiludido, nada mais importa,
Apenas a dor lhe acompanha, amiga...

Cansado dorme boquiaberto que perdeu a guerra.
Para ele, só sobraram livros confusos,
Diálogos em ângulo obtuso,
E uma mulher que se viu em tudo,
Deixando apenas suas lembranças, e mais nada...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Márvio"


MÁRVIO
(Éric Meireles de Andrade)

De ti, é o escárnio.
Irmão, parte de meus cabelos perdidos
E cicatrizes de vida.

De ti, é a maturidade.
Guardada em pães feitos em forno
Enquadrados de brigas e sorrisos.

De ti, presença fantasma,
Em vozes esparsas de menino tardio
E homem que aconchega.

De ti, minha altura,
E vôos que não compreendo de suas quedas
E erguidas de contínua sobriedade.

De ti, safado e ingênuo.
Ser caçula é trabalho de ontem.
De hoje, é fraude de bom-dia.

De ti, tu és capitão.
Inebria de capas e máscaras Marvel
O bandido em mim,
Que combate e não vive.
Brinca e deixa-me ser suas reticências...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Adolescência"


ADOLESCÊNCIA
(Éric Meireles de Andrade)

No mais, vazio.
No entanto, irresponsável.
Porém, cômodo...

Assaz limitado.
Tremendamente só.
Sim, mal-humorado...

Talvez desrespeitador.
Ou doentio...
Muito folgado!

Menino frio,
Jovem tardio,
Homem inexistente...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Cínica"


CÍNICA
(Éric Meireles de Andrade)

Transviado eu sou...
Perdido na dor que engole minhas vísceras
E abalado pela sua extinção,
Começo a perceber que viciei-me em sua saliva.

Estou só,
Não ouvirei mais a brisa de Ipanema
Contar-me segredos seus.
E não verei seus gritos de carência perto de meu travesseiro.

Calado eu serei,
Sabendo que dormes em outros ombros
E beijas outras saudades.
Sacando sarcasticamente que sofro
Olha para minha desgraça
Tem a cara-de-pau de me dar bom-dia...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Eu?!"


Fragmentos da Poesia Marginal: "Bundalização"


BUNDALIZAÇÃO
(Éric Meireles de Andrade)

No sexo de suas esdrúxulas músicas,
Coube em si, somente o fugaz.
Assim, a humanidade perde sua consciência
E a razão não existe mais.

História, sentimentos e lutas de classes
São tapadas e fantasiadas
No balanço do bumbum e “no movimento é sex”
Constituindo-se assim a alienação corpo-mente,
Tão demente, que o homem se embudece...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Hoje"


HOJE
(Éric Meireles de Andrade)

Hoje, a praticidade se perdeu
E o pão não se molha mais para mastigar
São chamados de “novos tempos”,
Estes, de novo, só sobrevivem com o semblante positivista.

E ainda sucumbimos com a fome, a miséria e a guerra
Homens penianamente se satisfazem de mentirinha,
Nas mulheres prostituídas e oprimidas
E nos jovens, que pulam um carnaval de drogas, idiotices e morte.

Para este novo-velho mundo,
A humanidade transborda em hipocrisia
Matam nossas florestas, salários, índios...
E queimam sobre o fogo,
A alma fraterna e subversiva que teima em amar...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Mágica esperança"


MÁGICA ESPERANÇA
(Éric Meireles de Andrade)

É a hora da juventude se levantar...
Sair cantando suas palavras-de–ordem
Entoar a luta do povo.

É a hora dos trabalhadores tomarem para si
Os gostos e desgostos dos rumos da memória
Saber que a história deixou para eles
Nada mais que serem sujeitos de tudo que os está sufocando.

É a hora da morte do choro das mulheres
Cravadas na tripla jornada de trabalho,
Hoje assumem lugares não tão imaginados
De servirem a mola do capital
E serem caladas - ainda - pela estupidez da mão

É a hora dos negros, força histórica na produção.
A propaganda, as escolas, os hospitais de brancos impertinentes,
Tentam sujar seus corpos de cal
Lança ao mundo o fim das cores
Tudo enlameado e encardido de hipocrisia
E só sobra para a raça a enxada, a favela e a miséria.

É a hora dos deficientes, homossexuais, loucos e canhotos
É a hora do povo, que não sobrou e menos ainda tem,
Sem ter de esperar o que não vem.
Salta de seus olhos a lembrança de circo
Querem viver seus palhaços, leões e trapezistas
Sem esquecer o mágico
Que sumiu um pouco, o roubo da voz capitalista.

Fragmentos da Poesia Marginal: "Palavras"


PALAVRAS
(Éric Meireles de Andrade)

Palavras, quando escritas,
Brincam de esconder significados.
Palavras, quando faladas,
Deixam dicionários encabulados.

Dizer palavras de amor
É se esconder no que o coração grita
E que a mente condena.
Muitas vezes são desperdiçadas
Nos poemas de gestos glamourosos
Mas ocos, repetitivos, vazios...

Palavras têm gostos diversos
Comunicar é criar a beleza do entendimento
Não importando seu calão de inverno
E nem seu passado comprometedor.

Eu babo na sensualidade das palavras!
Das mais eruditas às mais onomatopaicas
Assim, deixo registrado minhas alegrias
E meu parco sorriso de trinta dentes.
Pois as palavras fuzilam impiedosamente
A minha triste sina de razão demente...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Danos"


DANOS
(Éric Meireles de Andrade)

Meu amor,
A orquestra ainda não tocou para nós
Nem nossas músicas, nem o vento
Invadiu esta pista de dança.
Cala-te e volte para o nosso lugar.
Sem o lamento da guitarra
Não poderei pensar em teus passos,
Apenas seguirei seus calos
E os gritos de dor
Que saem dos seus pés...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Solecanto"


SOLECANTO
(Éric Meireles de Andrade)

Quero escrever sem a primeira pessoa
Cavalgar como Neruda na silhueta das mulheres
E na luta dos povos.
Ou como Vinícius, vívido em sonetos de Encontro, Despedida e tantos outros.
E ir além, mergulhar nos demorados e profundos poemas da vida.

Sentir vulvas, pêlos, suor e batalhas
Não passa apenas por mim.
Posso até sentir em ato ímpar,
Mas eu passo... morro
E a poesia fica! ...

Fragmentos da Poesia Marginal: "O anunciado"


O ANUNCIADO
(Éric Meireles de Andrade)

Em tonta forma de observar a vida
Um anunciado bate em minha porta:
“Procura-se desocupados e vagabundos
para assumirem a culpa do mundo”...
Após o anunciado, bato a porta da intolerância
E não entendo por que me procura.

Eu? (não consigo responder tal fato)
Sou homem vagabundo o bastante para não sê-lo
Substantivo demais para uma interjeição
Um provérbio para o ponto final.

Logo após, vem outro engraçadinho:
“Procura-se ladrões de inocência e simuladores de torpor”...
(Também esta chamada me intriga)
Será que não vêem, pobres mortais,
Que não podem rotular azeitonas em sojas?
(mesmo que façam óleo, são divindades distintas).
E mesmo que busquem culpados
Estes são os próprios enunciados?
Não abro mais a porta...

Agora, fazem uma manifestação em minha janela.
Covardes, colocam máscaras de enunciado.
Pergunto-me:
Será que não há nenhuma forma para que eu possa me salvar?

Sento, respiro, penso...
E vejo que as mentiras dos cartazes
Ocupam apenas a minha rua
E que estou esquecendo que o que procuro
Não encontro apenas no meu bairro.
Então, me aproximo de minha janela
Vejo o sol iluminando todas as tristezas,
E chego a uma conclusão:
“O horizonte é demasiado infinito e vermelho
Maior do que a procura do vão”...

Fragmentos da Poesia Marginal: "O feijão e o sonho"


O FEIJÃO E O SONHO
(Éric Meireles de Andrade)

Mais espaço carrega o sonhador
Em sua poesia.
Lamenta, enobrece, canta os desejos
Não materializados em sua vida útil.

Para todos, será apenas mais um
Nas estatísticas do malfadado capitalismo
Para alguns, só a sopa para irem ao céu
E para outros, vagabundos que deturpam a moral e os bons costumes.

Ele, o Paulo, o Carlos ou Manuel
Alimentam muito mais que números e hipocrisias
Só criam a vontade de lutar e sonhar
De homens que verdadeiramente
Se preocupam com o amanhã...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Primavera incubada"


PRIMAVERA INCUBADA
(Éric Meireles de Andrade)

Perda... Derrota... Desilusão...
São palavras mal acabadas
Que teimam em dar a vida
Seu sentido eterno.

Mas onde estão as flores de maio?
Os amores que achamos após os perdidos?
As palavras-de-ordem e os punhos cerrados da esperança?

Espero que estejam incubadas
Em algum canto de jardim
Esperando chegar a primavera
Para você e para mim...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Reflexão"


REFLEXÃO
(Éric Meireles de Andrade)

Pego-me a chorar
Após a bofetada do cigarro de menta.
Sinto as mesmas músicas,
Que fazem a história de minha vida
Se misturarem em devaneios perdidos,
Com as lembranças de revoluções, mulheres e dores.
Mas percebo que o amor que tanto rodeia
Não me deixa enxergar a glória das noites mal dormidas.
(É nelas que guardei as melhores vitórias.)

Solto, perdido, achado, vazio,
Seja como a ordem por, como for
Sei que a brancura ou a negritude
De minhas ninfas
Ou com a mão na palavra ou no fuzil,
Seguirei sonhando com minhas angústias.
Pois meu cérebro pede mudança,
Meu corpo pede colo
E meu coração suplica vida...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Boneca de pano"


BONECA DE PANO
(Éric Meireles de Andrade)

Ouça, boneca de pano,
Os seus trapos fedem
Seu corpo é apenas pó e bolor
Seus cabelos, escassos,
Fazem lembrar
Um abajur de matadouro.

Mas nesta miséria em que se apresenta,
Existe um feno de amor
A costura da esperança
E um coração que geriatricamente,
Saberá seu futuro
Que é o canto escuro, do baú do esquecimento...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Sem teto"

Fragmentos da Poesia Marginal: "Caliencia"


CALIENCIA
(Éric Meireles de Andrade)

Como um pedaço de pimenta
Arde a parede de minha boca
E nesta caliencia
Penso em sua flor-moça
Chegando a apertar as ondas do espírito
Nas palavras dos explícitos
Que caem no valor de minha canção...

Fragmentos da Poesia Marginal: ''Resistimos"

RESISTIMOS
(Éric Meireles de Andrade)

Resistimos,
Com tal zelo e prudência
Que a corja hipócrita
Não distingue nosso encanto
Com dor, fome e miséria.

Ah, coitados!
Não sentem que no mais puro pus
Há um corpo.
Esqueceram que da cinza
Há uma fênix de toda rebeldia
E se existe o silêncio
É porque estamos criando o eco
Da doce e ensolarada manhã...

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Fragmentos da Poesia Marginal: "Sampa céu de brigadeiro"


SAMPA CÉU DE BRIGADEIRO
(Éric Meireles de Andrade)

Cidade de São Paulo,
Do céu, nuvens esparsas
O calor brotando
Em cada poro do corpo
Do todo, do sorriso, do querer.
Nem parece com a selva de pedra
Em que caminho pela garoa
Em cima da proa do navio.
Invadindo a poluição das avenidas
Do povo que agora sorri,
Esqueceu que só luta pelo dia-a-dia do seu escudo
E de um lugar nas pequenas marquises,
Em uma matemática exclusiva de espaços
Onde está a cinzenta cidade?
E as marquises, as sombras da selva?
Pelo meu olhar cego
Só consigo entender e ver poesia, luta e vida
De uma gente que se esconde noite e dia...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Ameiné"


AMEINÉ
(Éric Meireles de Andrade)

Não devo me atrever
A penetrar em seu mundo
Mas queria enxergar
Toda a sua luz

Deixe-me voltar a seu ventre
Chorar em suas mãos.
Assim, conhecerei o caminho das rosas...
E esquecerei a solidão e culpa.

Por que os paradoxos de você, mamãe?
Presença-ausência, existência-implosão, choro-sorriso,
Silêncio-silêncio...
Lembra-se de quando me fazia dormir?
Por que não me cativa com um cafuné?
Deixe-me voltar a ti,
Só assim comece a me conhecer...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Elementos"


ELEMENTOS
(Éric Meireles de Andrade)

Sinto-me sol,
Enclausurado na janela do presídio,
Tentando iluminar o canto, a cama, as grades
E esquentar o corpo que dói e está caído...

Sinto-me chuva,
Encharcando desejos que são sequestrados pelas marquises
Molho a terra, mas secam meu carisma, com a mera proibição de me sentirem...

Sinto-me fogo,
Alimentado como vela de sete dias
(muita cera, pouca luz)
Tentando em um lugar incômodo
Mendigar uma atenção

Mas mesmo sendo enclausurado, sequestrado, incomodado,
Sinto-me sol, chuva e fogo
Que capacita calor, suor e a luz
Para invadirmos o amanhã que nos seduz...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Balzaquiana"


BALZAQUIANA
(Éric Meireles de Andrade)

A você, mulher,
Que vive no mundo balzaquiano,
Continua em traços tão perfeitos,
Que remonta em ditos, feitos,
A perfeição que continua no passado.

Só que é mulher
Da mais rica e estonteante tristeza
Marca em seu olhar distante,
Um longo suspiro amante
Perdido em sua forma de buscar resistir
À sua profunda vontade de amar...

Pois amo sua esperança mulher,
Desejo seus espinhos, balzaquia mulher!...

Fragmentos da Poesia Marginal: "LU"


LU
(Éric Meireles de Andrade)

Labutavas pelo meu amor
Untando partes marcadas,
Corroendo a angústia adquirida
Instigando o desejo de trair-te...

Apesar de hoje,
Não sentires nada por mim,
Sinto-te cada vez mais perto de meus passos...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Mesa de bar"


MESA DE BAR
(Éric Meireles de Andrade)

Mesa de bar,
Enquanto passa o tempo... infindável!
Olho pelas grades
Sua tonta distância.
Perco-me em espaços eretos
Apenas peço um momento fugaz
Com tua sombra.

Aí, talvez,
Encontraria minha silhueta,
Viajaria na sua dor...

Só assim,
Saberia o que seu dorso
Não está no cume
Da montanha do longo Olimpo...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Canto de bar II"


CANTO DE BAR II
(Éric Meireles de Andrade)

Aqui estou,
Novamente em um canto de bar,
Bebendo suas amarguras
E olhando seu ventre.
Que nu, desolado,
Não roça na calcinha de ilusões...
E aí percebo,
Neste mesmo canto de bar
Vendo e sentindo tuas teias
Despenteiam-me ilusões,
Suga suores
E com esta boca, toda,
Chupa cada cálice
De esperma de meus devaneios...

E aí vem, chama o chefe dos copos,
Senta no tapete dos meus olhares
E brinca, que será um dia
O porta-retrato no criado-mudo
De minhas ilusões...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Menina-moça"


MENINA-MOÇA
(Éric Meireles de Andrade)

Feito o laço de prazer
Arranho-te no arder de nossos corpos
Burlando as leis do finito
Intocáveis ao sabor da descoberta...

Ainda sendo menina-moça
Notória luxúria nos envolve
Abrasados pelo sabor do desejo de amar...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Frígida"


FRÍGIDA
(Éric Meireles de Andrade)

Entre meu olhar e teus seios
Rogo que sejas minha
Imploro por deixares tocar
Com o fruto, conseguir te penetrar.

Rias de minhas súplicas
E não gozas no gozo do gozo.
Já és tão espiritual
Ao ponto de não sentir tesão?
Não peço que mudes
Só peço que me sinta...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Desejo"


DESEJO
(Éric Meireles de Andrade)

Olho para o seu corpo
Leio seus desejos
Imagino nossos corpos
Varando nossos sentidos
Entre o beijo e o lençol e...
Indo e vindo,
Roçar no sonho perdido
O amor que sinto por você...

Fragmentos de Poesia Marginal: Prefácio


PREFÁCIO

Em uma "mágica esperança", Éric Meireles de Andrade estreia seu primeiro livro de poesias. São fragmentos secos, diretos, com a força de uma juventude que persiste em sua alma. Conheci Éric trabalhando no departamento de Esporte e Lazer na Prefeitura de São Paulo e logo tivemos uma empatia direta. Éric chegava com a vitalidade daqueles que buscam “entoar a luta do povo”, dos que sensibilizam pelos seus “gostos e desgostos”. E seu canto mágico é de um louco são, “um homem que diz não...” e que se recusa a seguir as cartilhas impostas, tanto na métrica, como na vida. Em seus Fragmentos, Éric para, ouve o silêncio, apaixona-se por multidões e também por uma só, que do “quarto, nada mais é dona... Só o silêncio”.
A poesia marginal de Eric expressa a lucidez da revolta, “rompe a parede dos tempos”, ouve seu amigo chorar “Benito”, volta a “Minas que tardia”, reencontra sua mãe, sonha com “chuvas chorosas” e nelas busca a paz, bondosas chuvas para quem segura “o mar nas montanhas”. Em sua juventude, Éric é um homem de trinta anos (ou mais, ou menos, sempre continuará jovem), homem canhoto que persegue a primavera, “febril... de sangue... escrota... prima. Primavera Vera / beleza explícita de galhos calvos...”. Quem, poderia pensar em galhos calvos na primavera? Apenas quem tem a sensibilidade de olhar para um país como Brasil, tão infinito, tão exuberante, mas ao mesmo tempo com galhos tão calvos, de um povo que ainda não floriu plenamente. Mas que não desiste nunca, e insiste, navega, sorri. E olha além da floresta, como Mário de Andrade (mais uma identidade a me unir a Éric) “e escreve como modernidade quente o asfalto e o modernismo...”.
Em seus Fragmentos, agora em São Paulo, há tempo de parada na rua do Arouche, “Ô miséria de vida!”, numa rua que transborda, numa cidade que é muitas. Dialética, em “brigas simultâneas e desordenadas”, cheia de encruzilhadas onde o “oposto é ao mesmo tempo o mesmo”. E assim Éric foi aprendendo na terra em que há mais contrastes neste Brasil dos contrastes; antropofágico, aprendeu em São Paulo a ser “poeta e analfabeto”. Ao trabalharmos juntos, vi Éric se embrenhar nas periferias, viver nos programas sociais, na Bolsa Trabalho para os jovens e no Começar de Novo para os velhos. E unindo os dois, vibrando com cada conquista. Posteriormente, quando vim trabalhar no Ministério da Cultura, trouxe Éric; quem mais poderia se jogar com tanto afinco em vilas e favelas? Quem mais poderia brilhar a cada pequeno êxito de um jovem em um Ponto de Cultura? Sem descanso, Éric sorriu. Sem descanso, Éric chorou. Sem descanso, Éric decretou “Morte aos Elefantes Brancos”, brigou com a burocracia, com os percalços e os nomes frios. Mas foi na lucidez da revolta, olhando o “Ocaso de Paranoá” que não se esqueceu de “que hoje é simplesmente hoje, E amanhã, Talvez seja uma coisa diferente...”.
Boa leitura a todas e a todos, nestes Fragmentos há poesia de primeira qualidade, de um Brasil de primeira qualidade, marginal e que começa a florir.

Célio Turino
Historiador

Livro: Fragmentos da Poesia Marginal (Éric Meireles de Andrade)


Dados internacionais de 
Catalogação na Publicação (CIP)

"Fragmentos da Poesia Marginal"
Éric Meireles de Andrade
Editora Libra Três, 2006. São Paulo.
ISBN: 85 88240 08X

1. Literatura brasileira 2. Poesia brasileira – Século XXI 

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Inaiê Reis de Andrade - Futuro

FUTURO
(Inaiê Reis de Andrade)

Na juventude, cheios de esperança,
Nós fazemos planos para o futuro,
Como num sonho ingênuo de criança: -
Sonho sem mácula, singelo e puro...

Esperamos por ele. E o tempo avança.
O dia-a-dia torna-se mais duro.
...
Parece mais distante e mais escuro,
Como o horizonte, que ninguém alcança.

E, numa frustração vazia e triste,
Nós descobrimos que ele não existe.
Não há mais nada esperando lá fora...

Futuro é criação do pensamento;
Não há nada pra lá deste momento.
Futuro é uma ilusão: - ele é AGORA!...

Inaiê Reis de Andrade - Enigma

ENIGMA
(Inaiê Reis de Andrade)

E vim pelos descaminhos
Para encontrar um rumo;
E entrei nas sendas da morte
Para buscar a vida;
E embrenhei-me na noite
Para achar o dia;
E mergulhei no ódio
...
Para vislumbrar o amor;
E fiquei à espera
Para chegar primeiro!...

Inaiê Reis de Andrade


Inaiê Reis de Andrade, mineiro.


Participou de uma antologia da Confraria dos Poetas:

-"III Antologia - Confraria dos Poetas"

José Eduardo Mendonça - Umbra Umbela

UMBRA UMBELA
(José Eduardo Mendonça)

Debaixo de teu guarda-sombras estão:
Borrascas, tempestades,
Corpo cheirando após a chuva,
Uma nota de um real amarfanhada onde alguém escreveu:
Que Deus me proteja, em quase incompreensível garatuja;
Um luar que range como se estivesse enferrujado
de tanto ficar parado no mesmo lugar,
...
A fertilidade de teu ventre,
Pirilampos tingindo todas as tuas noites mal dormidas,
Cupins a desesculpir teu leito,
As ilusões perdidas, os sísmicos abalos
que as fraturas de teu solo provocam,
O hálito neutro da manhã tornado vento
E que o braseiro de teus lábios traduz no mais
desejado beijo de uma vida;
fotografias desbotadas, notas dissonantes, harmonias tortas
a se compor disparatadas e soar como um outono,
folhas a cair milimetricamente ao pé dos plátanos
(que nem sequer existem fora dos romances),
florilégios de uma corte decadente e distante e perdida
que olhos num esgar decifram em hieroglifos,
sentidos múltiplos da mesma escrita;
mesas de bares, beiras de lagos e afetos,
arquiteturas que fazem olhar os céus
onde as constelações se descortinam a não nos revelar nada;
dedos finos, longos, a se incrustar em minhas costas,
em suas doces trilhas indeléveis;
arfar que se desconhecia em noites surpresas
da magia de gozos indecifráveis;
murmúrios, sussurros, palavras ditas que teimam
em jamais se repetir, inclusão de auroras, membros dormentes, peixes olhando paredes de aquários acostumados a nada transpor,
desenhos animados, fantasias, balões pisados no fim da festa,
comemoração que nunca finda, bolos dormindo nas geladeiras para o café da manhã que não virá,
eu tremeluzo, me inflo e abundo
nesta animação tanta e inúmera que tu és.

José Eduardo Mendonça - Quase Tudo Em Você Que Eu Amo

QUASE TUDO EM VOCÊ QUE EU AMO
(José Eduardo Mendonça)

Os sulcos quando você franze a testa.
Tuas mãos.
O bater de cílios que faz ventar a folha de papel onde eu tentei
em vão escrever um poema.
Teus pés inertes e incomodados.
Tuas mãos que sempre espalham pelas mesas lacres de cigarros,
palitos de fósforo e uma tristeza funda vinda de alguém
...
que nem sequer é triste.
Teus lábios que abraçam a beira de um copo.
A gola de teus improvisados agasalhos.
Teu pescoço comprido como um quadro de Modigliani.
Teu olhar comprido como o mundo e além dele.
Tudo que eu não digo.
Tudo que eu não tenho mais como dizer.

José Eduardo Mendonça


José Eduardo Mendonça, 61 anos, paulista.


Participou de uma antologia da Confraria dos Poetas:

- "III Antologia - Confraria dos Poetas"

Claudia Viana - Mulher Quatro Elementos


MULHER QUATRO ELEMENTOS
(Cláudia Viana)

Ela contém toda natureza
Em toda forma de beleza
Fogo, terra, água e ar
Na sublime arte de amar

Seu fogo a queimar lençóis
Queima baixinho quando está a sós
...
È labareda a queimar em gozos
Dos seus amantes e de vários moços

Águas tranqüilas de manancial
Matando a sede de todo mortal
E a fome matinal dos seus amantes
Famintos pela noite de ontem

É o ar que entra pulmões a dentro
Na ofegante entrega de agora
É o gozo quente a deitar na terra
Dos amores feitos sobre a relva

Que sepulta os risos, a ternura
Os gozos, segredos, verdades
E as mentiras das promessas não cumpridas
E que faz ressuscitar um fio de esperança

Num fogo a arder por outro
Na água que apaga o fogo
No ar suspiro a suspirar por outros
Que volta a terra pra nascer de novo.

Claudia Viana - À Sombra da Amoreira

À SOMBRA DA AMOREIRA
(Cláudia Viana)

Eu sei que o futuro não pertence a mim
A gente tá sempre começando do fim
O passado muda a nossa percepção,
mas não muda o desejo do coração.

E eu penso: “o que fazer agora
se quem eu amava foi embora?”
...
E eu não consigo apagar essa luz,
que, do passado pro futuro, me conduz.

Olho o pé de amora e, sob sua sombra,
mil devaneios me invadem os sonhos
E, tirando você de mim, nada mais me sobra
Esse presente sem passado e sem futuro.

Eu não sei me desgarrar de mim
Por isso sou tão apegada a você
Mas sei que não é tão fácil assim
viver o meu agora com você.

Quero esmagar amoras com a língua,
como se fosse a sua coisa linda
derretendo-se ao sabor do beijo meu,
adoçando a minha boca no lábio seu.

E deixar os sem alma lá fora
E a tristeza atrás da porta
Ser feliz é o que mais importa
Se é pra ser, que seja agora. “Vambora!”

Claudia Viana


Claudia Viana, 43 anos, capixaba (ou espírito-santense).


Participou de uma antologia da Confraria dos Poetas:

-"III Antologia - Confraria dos Poetas"

Raquel Negrão - Viagem

VIAGEM
(Raquel Negrão)

O tempo é amor
O tempo é dor
Tempo que quer correr
Só,
Tempo que é vento
Tempo que é sentimento
Tempo que precisa nascer.
...

Tempo que precisa passar sem passagem
Sem duvidar da viagem
Só,
Tempo que precisa sofrer.

Enfim,
Não se encontra o fim
Do que não existe
Do tempo que a dor persiste
Do tempo que insiste em deixar de ser.
Tempo que não é triste
Tempo que em vão se omite
Tempo que faz crescer.
Só,
Solitário
Tempo que segue viagem
Sem despedida ou miragem
Tempo que tem que ser
E acaba na dor
E omite a cor
Mas não permite
Flor do tempo, amor, morrer.

Raquel Negrão - Não Basta

NÃO BASTA
(Raquel Negrão)

Basta viver!
De viver não basta!
Não,
De não viver, basta!
Arrasta o céu
Céu que o sorriso arrasta
Enquanto estrela cai, Cometa passa!
...

Gasta a tua vida
Vive e não embaça
Vida só, não!
Só não gasta com poeira e traça!

Laça a tua lua
Lua não engana a massa.
Enquanto vive, Não!
Não só come e pasta!

“Engraça” tua vida
Vive e brinda a taça
Vida livre é vida
E livre vida é vasta!

Basta viver vida
Vida não é casta!
Arrasta a lua, Gasta o céu,
O cometa amassa!
Laça a vida, vida abraça.
Viver de vida besta, Basta!

Raquel Negrão


Raquel Negrão, 31 anos, carioca.


Participou de uma antologia da Confraria dos Poetas:

- "III Antologia - Confraria dos Poetas"

Bruna Barbosa - Uma Tarde


UMA TARDE
(Bruna Barbosa)

Como descrever o paraíso,
algo que só se pode sentir.
Traduzir em palavras o seu sorriso,
e ver este momento se esvair.
Seria como descrever o gosto do mar
ou os raios de Sol.
Para conhecer é preciso mergulhar
...
e enroscar-se neste anzol.
Como descrever o seu calor
percorrendo os meus caminhos.
Poucos segundos desse amor
e não me sentiria mais sozinho.
Seria como descrever o luar
em uma noite serena.
Nossos corpos a repousar
em uma cama pequena.
Como descrever o seu perfume,
ou o brilho do seu olhar.
Um estranho costume
e eu poderia me apaixonar.
Não há como descrever,
apenas se sente.
Mas como é bom poder viver
contigo este presente.

Bruna Barbosa - Presente


PRESENTE
(Bruna Barbosa)

Porque me tomas tão depressa,
como uma brisa no verão?
Ai de mim, uma pequena peça
escorregando por entre as suas mãos.
Teu sorriso quebra a minha armadura
teus olhos transparecem a sua alma.
Dentre tudo, este sentimento perdura,
...
trazendo-me calma.
Teu gosto ainda está em minha boca
teu perfume ainda é presente.
Com uma doce voz rouca,
peço que não desistas da gente.
Trago-te para perto de mim
transformo em realidade o meu sonhar.
Torna-se inevitável, enfim,
a felicidade de poder te amar.
Como um sol, iluminas meu dia,
floresces meu mundo.
Este amor que me contagia
e tu te tornas o meu tudo

Bruna Barbosa


Bruna Barbosa, 22 anos, paulista.


Participou de uma antologia da Confraria dos Poetas:
- "III Antologia - Confraria dos Poetas"

Francisco Hawlrysson - Uma Passadinha sem Volta

UMA PASSADINHA SEM VOLTA
(Francisco Hawllrysson de Sousa)

Vão ali meus sonhos
mais uma vez
noutro bonde de porcelana.
Todos os meus carnavais que formam meu corpo
todos as minhas vinganças que vêem nas minhas pálpebras,
e fundem na raposa,
também estão nele.
...

Ali também vai
os devaneios de um homem
que quando vira criança
faz dessas transformações
uma chuva fina que chega
e corta.

E já sobre o trecho mais perigoso da viagem
já chegando à ponte de sonetos
dar de escutar o canto meloso das virgens.

Um canto de felicidade ao verem a minha apatia
ao verem eu partir.
Na partida sem volta.

Francisco Hawlrysson - A Casa das Máquinas

A CASA DAS MÁQUINAS
(Francisco Hawlrysson de Sousa)

Num mundo tão moderno e heterônimo
já se pode quase tudo
já copiamos ovelhas
já copiamos vacas
e até bebês.
só não copiamos sentimentos – (ainda)
isso seria o fim.

Francisco Hawlrysson

Francisco Hawlrysson, 29 anos, piauiense



Participou de duas antologias da Confraria dos Poetas:- "Confraria dos Poetas - II Antologia"
- "III Antologia - Confraria dos Poetas".

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Lançamento Nacional "III Antologia - Confraria dos Poetas"

Também transmitiremos, ao vivo, através do Blog!


Marcos Água: Subconsequente


SUBCONSEQUENTE
(Marcos Água)

Na finitude do não ser,
onde se divide o semiespaço,
onde o divino faz compasso
no infinito do nada fazer

Onde choque é revertido
por espelhos sem reflexo,
por medos sem nexo,
onde morte é divertido

Tal que o som é reluzente
Lá tanto onde tudo há volta
Lá tanto onde no frio há escolta
Tal que o sol é demente

Na finitude do não ser,
onde choque é revertido,
tal que o som é reluzente
na loucura de minha mente

No infinito do nada fazer,
onde morte é divertido,
tal que o sol é demente
na insanidade do subconsequente.

Marcos Água: Partida


PARTIDA
(Marcos Água)

TUM,TUM,TUM
Rufam os tambores
A hora da partida
Nem sempre antecede a chegada

POW,POW,POW
Rufam os tambores
Não se escutam mais os homens
Novamente, calídos e febris

Quartafeira
Frio é vicio do álcool
Do aforriado do capital

No terreiro
Não se escuta maria
Como se não houvesse quintal, estrela ou  céu

Marcos Água


Marcos Água, 18 anos, paulista.


Participou de um antologia da Confraria dos Poetas:
- "III Antologia - Confraria dos Poetas"

Johnny Walkman: O Tempo


O TEMPO
(Johnny Walkman)

O tempo ponha o tempo
dentro do seu próprio tempo
se no caso o tempo exigir mais tempo
de um pouco mais de tempo para o tempo
que conforme o tempo o tempo
vai dizer quanto tempo ele precisará
para seu próprio tempo
se for de mais o tempo
quem vai dizer é o próprio TEMPO

Johnny Walkman: Na Contramão


NA CONTRAMÃO
(Johnny Walkman)

Fujo de um mundo onde o dedo indicador
vem na contramão dos meus passos,
vou junto com as areias da ampulheta,
que vai se cumprindo,
entro no último livro de um livro eterno,
inverno… trago a primavera num solo sem semente.
a mente semeia para não morrer,
culpa da distância da ida, que não voltou a tempo,
o vento traz o último voo do falcão que me caça,
a farsa que atrai, na tentativa de trair minha índole,
síndrome que satisfaz o ego
vivam as ilusões…

Johnny Walkman


Johnny Walkman, 26 anos, paulista.


Participou de um antologia da Confraria dos Poetas:
- "III Antologia - Confraria dos Poetas"

sábado, 1 de setembro de 2012

Release: "III Antologia - Confraria dos Poetas"


Release:

"III Antologia - Confraria dos Poetas"
Por Luciane Toledo


É setembro e, antes que a primavera se faça em cores, a *Confraria dos Poetas, entidade que reúne amantes da poesia de todo o Brasil, presenteia o público com uma policromática edição. Sua III Antologia é fruto da reunião de 22 poetas de diversas partes do país, com diferentes estilos e estéticas, alguns com obras já publicadas, outros estreantes. Uma profusão de temas e sensações. Sob esse perfil miscigenado, a publicação, que embora seja impressão preta em 256 folhas brancas, mistura as tintas da contemporaneidade com o desejo de se expressar na paleta multiforme da cultura nacional. O resultado é uma considerável mostra da produção literária atual.

Diversidade é a palavra de ordem da Antologia. Diversidade de autores, entre os quais é possível encontrar o jornalista, o estudante secundário, o rapper, o universitário, o servidor público, o professor, o filósofo, o revolucionário, o artista plástico, o blogueiro, o twiteiro. Gentes de todos os tipos. Os diferentes unidos, democraticamente, pela cumplicidade com a percepção apurada de um mundo em alta velocidade de transformação. A busca do diverso foi mesmo o norte para a seleção dos participantes da III Antologia. "A prioridade foi a diversidade de estilos e conceitos estéticos. Trabalhamos com a diversidade territorial também", atesta o presidente da Confraria dos Poetas, Éric Meireles de Andrade, também presente na III Antologia.

Na obra o público vai passear entre contrastes, alternando cenários urbanos e bucólicos, sentimentos de amor e de revolta, a natureza e o artifício, a liberdade e o trabalho, o sonho e as mazelas humanas, o saudosismo e a crítica social, o clássico e o iconoclasta. Tudo no caldeirão borbulhante da potência da palavra, com as quais certamente o leitor vai se identificar.

A proposta da Confraria é escancarar as gavetas da produção poética, estimulando a leitura e popularizando a prática. Segundo Éric Meireles, "mais que reunir poetas, a Confraria veio para valorizar o poeta vivo, que tem a dificuldade em editar seus livros e apresentar sua lírica". Nesse sentido, é objetivo da organização alinhar a produção literária com políticas públicas. "Nesta III Antologia, conseguimos o apoio da secretaria de Cultura de Marília, que viabilizou a participação de 10 poetas da cidade e receberá como contrapartida, quantitativo de livros para as bibliotecas das escolas municipais", explica.

Iniciativas como estas, apontam para um futuro promissor. Para além dos limites do livro, o lançamento da III Antologia ainda vai contar com uma novidade. Todo o evento será transmitido ao vivo através do blog da Confraria do Poetas (www.confrarios.blogspot.com.br). O que atesta, mais uma vez, o intercâmbio de linguagens e a sintonia dos poetas com a modernidade. E, se é da inquietude que nasce a poesia, certamente ela será sempre tão viva quanto o pulso de quem a faz.

Novas Propostas da Confraria
Um dos grandes problemas do artista, do escritor é exatamente sair do mundo criativo para o mundo prático, quando se trata de gerir a produção cultural e torná-la acessível ao público. Neste ponto a Confraria dos Poetas se apresenta como parceira estratégica. "Hoje queremos incentivar a organização dos Poetas, através das 'Ágoras Poéticas' que pode ser uma organização poética de uma cidade, de um bairro, de uma rua, de um grupo de amigos de internet ou qualquer lugar que haja mais de três poetas se comunicando, falando e escrevendo poesias. Além das 'Ágoras Poéticas', temos alguns projetos de políticas publicas, como realizar a Capital Brasileira de Poesia, a distribuição de nossas antologias em todas as bibliotecas publicas do Brasil", aponta Éric Meireles.

O lançamento da III Antologia acontece no próximo dia 13 de setembro, na Casa das Rosas, Av. Paulista, 37, Bela Vista, às 19h.
III Antologia (RG EDITORES): $25,00
Mais informações: confrariadospoetas1@gmail.com

* A Confraria dos Poetas é uma OSCIP nacional de poetas e amantes de poesia, que nasceu em 2004, em São Paulo. Já realizou 2 antologias nacionais - com 6 lançamentos em todo o Brasil, 3 saraus (Sarau do Genestra e o Sarau em parceria com o Cineclube da Augusta e o Café DuCélio) e um curso de Poesia Falada no Clube da Cidade Raul Tabajara, em 2005.

Leandro Custódio - Sem título


Leandro Custódio - Estética Irrefletida


ESTÉTICA IRREFLETIDA
(Leandro Custódio)

Na batalha final do último pesadelo,
Um rapaz dormia em frente ao espelho.
E seu Reflexo, que ontem ele observava,
Estava morto, e lá, já não mais estava.

Sete dias. Acordou então nesta hora.
Perguntando: O que faço nesta cova?
E arrancando pétala por pétala,
Aos poucos sua alma se levantava
E sua carne rapidamente apodrecia.

Então um anjo concedeu-lhe
Um desejo: Voltar à casa do espelho,
Que a pouco, não mais o refletia.
Para saber toda a verdade.
- É o Pesadelo refletindo a realidade -

Na casa agora abandonada
Pensou: Estou vivo?
Onde está minha imagem?
Onde está meu brilho?

E o moço nessa melancolia,
Percebeu que sua vida,
Havia sido apenas uma vida,
E seu corpo... Um mero corpo.

Sendo assim sua queixa derradeira
Em frente ao maldito espelho
Que todas as manhãs lhe mostrava:
Tão alegre. Tão belo. E forte!

Leandro Custódio

Leandro Custódio, 23 anos, paulista


Participou de um antologia da Confraria dos Poetas:
- "III Antologia - Confraria dos Poetas"