Confrários!: Neologismo utilizado pelos participantes da Confraria, nascido da junção das palavras confrades e revolucionários!

sábado, 1 de dezembro de 2012

Fragmentos da Poesia Marginal


Fragmentos da Poesia Marginal: "Pedido"


PEDIDO
(Éric Meireles de Andrade)

Por favor, não mate a poesia!
E nem ache que suas inspirações são divinas
Escreva e entenda o sabor de cada palavra
E divulgue outras sementes imaturas.

Por favor, conheça outros poetas
Que escreveram com sangue e suor o seu tempo
Mas liberte-se do olhar frio da academia
E nem tare pelo bolor opaco das bibliotecas.

Por favor, não repita os mesmos erros
De racionalizar todo o sentimento vão
Materialize em versos o valor da mudança
E não crie raízes com contemplações burguesas.

Por favor, siga sua trilha libertária
Sem se abater com críticas de especialistas de chumbo
Não se finalize em nenhuma escola literária
E forje a cópula dos paradoxos e das contradições.

Por favor, arme a poesia!
Seqüestre-a do elitismo e da letargia
Faça dela parte de milhões de vozes
Sem nenhum risco de ser panfletário.

Por favor, escreva também coisas belas
Misture o eufemismo com aliteração
Dê pitada de hipérboles amorosas
E traia as metáforas de madrugada.

Por favor, ESCREVA!
DIVULGUE! SOCIALIZE!
Cative a esperança com a mente aberta
E com punhos cerrados de amor e dor...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Canto de bar"


CANTO DE BAR
(Éric Meireles de Andrade e Marco Acco)

Nenhuma mulher me dá bola
Nenhuma puta me assola
Nenhum desejo consola
Nenhuma cama me esfola
Jogado neste canto de bar

A noite esbraveja o silêncio lá fora
Cá dentro boca voraz outro beijo devora
Em nenhum olhar me escondo
Me encontro no canto do bar.

Garçom, um copo de whisky
Risca o balcão de metal
Leito deixado teu olhar calhorda
Me apunhala e vicia despida
Vejo tudo de tudo deste canto de bar

Vejo tudo de tudo neste canto sem par...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Morte aos elefantes brancos"


MORTE AOS ELEFANTES BRANCOS
(Éric Meireles de Andrade)

Morte aos elefantes brancos!
Adornados de memorandos numerados
E pedras de ofícios.

Sepultem seu gosto burocrático
De sua carne gorda e corrupta
E sua medíocre tromba de domínio.

Morte aos elefantes brancos!
E morte aos seus donos de terno e gravata
(magnatas em potes de classe dominante
e moradores em castelos de marfim).

Não titubeie, fuzile seus passos de deboche
E suas patas de insensibilidade sádica,
Que castiga um povo com orçamentos frios,
E com filas, e com papéis, e com senhas, e com salas de espera.

Morte aos elefantes brancos!
Ódio aos seus pesos que sufocam
Aos seus dentes que maltratam
E suas bostas que tripudiam!

Sim, morte aos elefantes brancos!

Fragmentos da Poesia Marginal: "Academicismo"


ACADEMICISMO
(Éric Meireles de Andrade)

Grita o falso profeta, no fundo da sala:
-Poesia é harmonia!...

Eu, cá no canto dos esquecidos,
Dos amadores e malditos,
Penso e repito:
-Poesia não é apenas composição melódica.
Não se entrava na ditadura das partituras
E nem vive só do canto e trova
Ela desafina quando ameaçada sua liberdade
E não precisa se escravizar por uma nota dominante.

Outro falso profeta, vestido de casaca,
Grita esbaforido no outro canto da sala:
-Engana-se o falso profeta melódico,
Para a poesia, fundamental é ser metódico
E seu carro-guia é a rima!...

Eu continuo no canto dos esquecidos,
Dos amadores e malditos,
Penso e repito:
-Poesia é algo mais que rima
Não se pode perder a quentura com sinônimos frios
E nem se viciar nas escolas emboloradas do passado.
Ela é fruto da novidade efêmera e lasciva
E de rigor,
Rima combina mais com amante do que prima.

Outro falso profeta, míope e cadavérico
Na porta de saída grita:
-Poesia é rima, método e melodia sim,
Mas precisa estar casada com a métrica...

Eu, cá no canto dos esquecidos,
Dos amadores e malditos,Penso e repito:
-Poesia não está apenas na métrica.
Ela se quebra, requebra e às vezes
Uma palavra já diz toda estrofe.
Nem é preciso me deitar neste leito,
Pois pauta passada não se rediscute.

Nesta balbúrdia cansativa de acadêmicos carcereiros,
Um profeta falso, perto do microfone dos desentendidos,
Berra em som de novidade:
-Poesia é acima de tudo ritmo,
Sem ele, poesia se acaba e dá lugar ao conto!...

Eu, cá no canto dos esquecidos,
Dos amadores e malditos,
Penso e repito:
-Talvez a poesia seja ritmo...
Mas no papel, soa percentual apenas em palavras criadas.
O ritmo está nas tintas de canetas gastas
E também no mesmo compasso de minha cabeça dormente
E do meu coração que condena.
Ando com ele fora dos cadernos
Nas ruas que me compadeço
E nos sexos que despojaram meu caminho.

Peço a palavra na maldita assembléia de egoístas descoloridos.
Com voz de contador de causo
Que saiu do canto dos esquecidos,
Dos amadores e malditos
Digo e reflito:
-Poesia são metáforas...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Tico"


TICO
(Éric Meireles de Andrade)

Arianna, nome belo para tristes olhos gris
Rainha de sonhos ensaboados
Irmã de meio-irmãos inteiros
Armadilha de percalços desconhecidos
Núbia alva com cacos falidos
Natureza em fina construção de segredos
Assonância de pecados perdoados...

... Tico-tico gigante pintada de giz...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Solidão"


SOLIDÃO!
(Éric Meireles de Andrade)

Ao cabo de uma dor,
A despedida se avizinha com a tragédia.
Juntas, tramam a derrubada do sol,
O congelamento das pétalas,
O distanciamento de corpos
E o choro de castigo na boca ressequida.
Ao cabo de uma cor perdida,
Verdes olhos se transformam em colméias gris
O pranto vermelho aconchega com o azul solitário no armário
E cópulas laranjas de borboletas viram bruxas desconfortadas.
No mais, não sobra nem o consolo do colo.
O que não se quer não se vinga
E nem o que morre se redescobre.
O fim é o distanciamento do desejo
O descortinar de um amor marinheiro
E as perspectivas rotas das dobras das meias de uma puta.

Solidão!

Fragmentos da Poesia Marginal: "Mão canhota"


MÃO CANHOTA
(Éric Meireles de Andrade)

Aí está você...
Sentada ao ar livre
Jogando conversa fora
E guardando um homem no bolso.

Aí está você...
De boca amanteigada
E cor de mulher que tara.

Aí está você...
Enclausurando sua xota com a mão canhota
E balançando a cadeira como galinha no poleiro.

Aí está você...
E a três metros estou eu.
Entre nós, um namorado desatendido.
E sua mão canhota
Aprisionando sua xota...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Ocaso de Paranoá"


OCASO DE PARANOÁ
(Éric Meireles de Andrade)

Lago de Paranoá,
De céu conflituoso
Onde o infinito azul se digladia
Com nuvens gris reluzentes.

Lago de Paranoá,
Em seu contorno
Pululam iates em forma de pulgas.
Num passe de mágica, somem silenciosamente
Transformando-o num espaço solitário e deformado.

Lago de Paranoá,
O astigmatismo e a miopia de seus olhos cansados
Vão dando ao verde um tom melancólico
E abre sua cortina negra de mistérios e nostalgias.

Lago de Paranoá,
Em seu manto de ocaso tardio
Aparecem novos vaga-lumes estáticos
Iluminando uma cidade distante
E formada por tentáculos territoriais...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Nomes frios"


NOMES FRIOS
(Éric Meireles de Andrade)

Damos nomes frios ao conhecimento,
E também damos nomes frios ao desejo.
Lembrando o que o coração ouve
É o que a alma condena.

Damos nomes frios aos países
E também damos nomes frios ao infinito.
Um dia, oxalá,
Saberemos pular os muros dos territórios
E também saberemos que séculos,
São almas penadas puxando nosso pé.

Damos nomes frios ao ócio
E damos nomes frios ao amor.
Daí, não há risco de novidade,
Pois o que servem de fato ao homem
Continuam trancados na geladeira da calúnia.

Damos nomes frios à esperança,
E damos nomes frios à primavera.
Um dia, talvez, saberemos
A cor do girassol em dias nublados
E daremos verdadeiros nomes às flores.

Damos nomes frios ao frio,
E também damos nomes frios ao que é singelo.
Esquecemos que hoje é simplesmente hoje,
E amanhã,
Talvez seja uma coisa diferente...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Gleide Brait"


GLEIDE BRAIT
(Éric Meireles de Andrade)

Gostei quando entrou em meu mundo...
Lutando por novos ângulos de sol,
Enveredou-se nos programas sociais com gosto de novidade,
Indo conhecer outros espaços... Desejos...
Deixando sempre para trás
Escamas enroladas em teias de desgosto e decepção.

Bares, cervejas e conversas pagãs...
Reagia-se assim à hipocrisia quando segredos
Se transmutavam em noite,
Amarrados sempre no cotidiano estéril da repartição pública.
Inconvenientes, fomos sinceros quando nos apresentaram a neblina
E transformamos o descaso em barro, com descobertas em solo fértil.

E tudo isso numa fria repartição pública,
Com sonho marcado em cronômetros exatos
E com beleza construída em nova forma
De se fazer a nós mesmos...

Fragmentos da Poesia Marginal: "A Antônio Gades"


A ANTÔNIO GADES
(Éric Meireles de Andrade)

Morre um artista.
O flamenco hoje chora...
Ninguém dançará por sete dias
Porque o palco perdeu seu toureiro.

Morre mais um camarada,
De passos leves e princípio ativo.
O que ouviremos para nosso consolo
É o choro da guitarra,
E a nítida sensação
De toda sua presença flamenca...

Fragmentos da Poesia Marginal: "A natureza das coisas"


A NATUREZA DAS COISAS
(Éric Meireles de Andrade)

A natureza das coisas
Está na beleza do simples,
É a ousadia da comunhão entre os homens
E tem o doce sabor do amor e da amizade.

A natureza das coisas
Tem a união de pequenas partículas
Que se transformam em montanhas,
Está na inteligência decodificada da virtude
E é a coragem de lutar com ternura.

A natureza das coisas
Está também na importância do vazio
É a racionalidade contemplativa vencendo os templos
E não temer a morte,
Que a vida traz sempre consigo no bolso.

A natureza das coisas
Está nos anseios do avaro e do humilde
É a contramão da bonança e da miséria
E tem lápides escritas com o sangue dos tolos e dos sábios...

... Como dizia Demócrito antes de Cristo,
A natureza das coisas
Está na bondade dos homens que dormem tranqüilos
E no caminho sujo daqueles que acompanham os porcos...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Racionalismo"


RACIONALISMO
(Éric Meireles de Andrade)

Os tratores apodrecem a calma...
Entre a produtividade e a altivez
Não se escolhe ser puro e qualitativo.

A politécnica social, o saber multifacetado,
A generalidade objetiva e imperdoável
Trancam-se e ficam de mal com a sociedade
Que tapa o buraco ardido da ciência,
Com especialismos frios e inexatos.

Agora, só se sabe ter o que fazer, trabalhar,
Pensar como um chip imbecil
Ou como uma geladeira mal-educada.
Matam-se homens honestos e heróis
E colocam cães nas árvores genealógicas.

Mundo tacanho, maldito e subjetivesco,
Panacéia de mal-humor e precocidades descabidas.
A humanidade enfrenta o leão do tédio
Com a faca amolada do cronômetro da produção
E a vida se esvai, como espuma frígida de uma coca-cola.

Humano coisificado, dinheiro adorado,
O que se faz é construir presídios do tamanho de uma capital
Bombas que formam rosas mortais e irracionais
E tristezas como estrada perpétua de nossas tristes vidas...

... Vidas estúpidas de humanos coisados,
Vidas de um fantasma chamado trabalho...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Eterno nascimento"


ETERNO NASCIMENTO
(Éric Meireles de Andrade)

A cada dia aprendo mais com São Paulo...
E sou em miniatura, um moço de 450 anos
E também sou solitário e tenho dias nublados
Aqui, aprendi que garoa é soluço de trópico
E arranha-céus são estrelas prostradas no chão.
É uma cidade galante nos farrapos das favelas!

Piratininga de Anchieta
Asfalto e modernismo de Mário de Andrade
Aqui foram paridos os filhos de João Ramalho
E esfolados os escravos e proletários estrangeiros...

Assim, há a cidade dos contrastes:
Num dos Itains, o luxo da violência desempregada,
Enquanto o outro xará é cool o barulho de carros antigos.
O brega fede a cédulas lançadas nos carnavais da Paulista!

Antropofagia que brota noite e dia,
Desassossego, morbidez alegre e internacional
Espaço abarrotado de sonhos de uma urbe arlequinal.

São Paulo que me ensinou a ser poeta e analfabeto,
Estranho moedor de carne com recheio de cimento
Cidade sofrida, de Arnaldo Antunes em eterno nascimento...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Ano novo"


ANO NOVO
(Éric Meireles de Andrade)

Hoje, lá fora de casa
Chove...
Um choro fino e raro
Que pausa o sorriso do verão.

Hoje, lá fora de casa
Faz frio...O antagonismo picaresco
Que só a natureza desvenda e nos oferece.

Hoje, lá fora de casa
Há o cansaço pós-feriado.
As famílias se reencontram desdentadas
E com fome da embriaguez vencida.

Hoje, lá fora de casa
descansa entorpecida a morte.
E a vida, gozada e tranqüila
adormece em seu sono perene.

Hoje, lá fora de casa
Encabulo com os livros que leio
Meu coração chora como chuva fina
E minha febre suplica mudança de destino.

Hoje, lá fora de casa
Juiz de Fora é São Paulo mais nova...
Não há ruídos de vozes ou passos,
Apenas esperança de noite garoada,
Se transformar em dia de mormaço crasso...

Tudo se esquece e nada acontece,
Hoje, lá fora de casa...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Nostalgia rubra"


NOSTALGIA RUBRA
(Éric Meireles de Andrade)

Sinto falta da militância quente
das palavras que diziam com o coração
E minha mente ebulia mudança e revolução.

Sinto falta de estar organizado,
das reuniões que decidiam os rumos do mundo
E um coletivo que era eu mesmo.

Sinto falta...

Sinto falta da fome que eu tinha de teoria
E... quando me alimentava dela
Mais faminto e rico de vida era.

Sinto falta do desapego mundano,
Do pão com mortadela, das pixações da meia-noite
E das manifestações que enfrentava o status quo.

Sinto falta das bandeiras hasteadas
Sentir-me internacional em São Paulo arlequinal
E cuspir nas luxúrias ao culto do mercado.

Sinto falta do amor que dava à luta,
Da certeza inabalável na vitória,
Do cheiro doce e rubro de ser comunista...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Contos da meia-noite"


CONTOS DA MEIA-NOITE
(Éric Meireles de Andrade)

Depois de amanhã é ano novo.
Cheguei ontem em São Paulo
Preparando-me para o sorriso de meu amor.

Ligo o rádio para voar o tempo
Pego a caneta e antes de escrever um poema
E me rebaixo em contas infinitas.

O tempo passa em compasso egoísta
Ainda assim, descanso a caneta e as camisas já estão passadas
E troco o rádio pela TV sem graça.

Estou enfadado... Não sei o que faço...
Mas na hora de meu total desalento
O milagre pula em forma de programa.

Começo a ver e ouvir um conto na TV,
Brasileiro por princípio e adorável por essência.
É meia-noite, e a arte se funde na tosca tela.

Paraíso de novidade!
A cultura mata por segundos a massificação vulgar.
É presente de ano novo
É novidade viva, com cheiro de arte e povo...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Não preciso!"


NÃO PRECISO!
(Éric Meireles de Andrade)

Eu não preciso de nada disto!
Não preciso do cigarro que me envenena
Não preciso da bebida que me entorpece
Não preciso das putas que me amaldiçoam.

Não preciso de nada disto!
Não preciso ficar calado quando grito
Não preciso sorrir quando não quero
Não preciso esperar um amigo quando caio.

Não preciso de nada disto!
Não preciso rezar para ser salvo
Não preciso abaixar a cabeça quando quero é levantá-la
Não preciso ser hipócrita quando falo.

Não preciso de nada disto!
Não preciso do dia quando amanheço
Não preciso me alienar para ser justo
Não preciso do gozo para estar satisfeito.

Não preciso de nada disto!
Não preciso amar quando sinto repúdio
Não preciso dormir quando leio um manifesto
Não preciso elaborar quando faço.

Não preciso de nada disto!
Não preciso de porcarias para me alimentar
Não preciso estudar o que não me elucida
Não preciso peidar para ser indigesto.

Não preciso de nada disto!
Não preciso de horários que escravizam
Não preciso das borboletas quando admiro as lagartas
Não preciso da fumaça quando atiço fogo.

Não preciso de nada disto!
Não preciso da morte quando ainda vivo
Não preciso ser velho quando ainda nem nasci
Não preciso ser assado quando quero ser assim.

Não preciso de nada disto!
Não preciso estar preso para valorizar a liberdade
Não preciso dançar para ter sensualidade
Não preciso ser burro para ser útil.

Não preciso de nada disto!
Não preciso de minha boca quando olho
Não preciso da saliva quando desejo
Não preciso da lágrima quando choro...

... Amém...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Dialéticas"


DIALÉTICAS
(Éric Meireles de Andrade)

Brigas simultâneas e desordenadas...
O oposto luta por seu espaço
Para continuar um ciclo de mesmice.

Um oposto que é ao mesmo tempo o mesmo,
E sua luta em seguir a reta do caminho
Perpassa pelas encruzilhadas das escolhas.

Mas há a necessidade da mudança...
O número não deve acompanhar a qualidade
E nem o gozo em rostos distintos de prazer.

Lutas dialéticas entre o velho e o nada
Entre a qualidade e o tudo,
Entre a quantidade e o novo...

Fragmentos da Poesia Marginal: "O texto e a poesia"


O TEXTO E A POESIA
(Éric Meireles de Andrade)

Hoje, em vez da noite
Me presentear com um poema,
Tenho que me contentar
Com a presença de um texto frio.

Um texto chato
Parido por mim como um bastardo
E usado apenas para carregar
Meu salário e minha reputação de mentira.

São dois filhos de caracteres distintos...
A poesia carrega minha singeleza de menino
E a glande tesa de sonhos almejados.
É minha filha que me dá benção quando vai dormir.

Enquanto o texto
É corpulento de exatidões estúpidas
Bronco de liberdade em dizer além do óbvio,
Assexuado e ganancioso quando exposto numa ágora.

Mas o texto é feio e persistente,
Faz-me carinho quando estou dormente
E me embala cantigas de dormir
Quando luto contra minha insônia latente.

Enquanto a poesia é caprichosa e egoísta...
Carente de presença, quando não a percebo,
Persiste em chorar ao ver que não sou mais mancebo.
Sai de meu mundo e se esconde em tempos longos
E só aparece para beijar minha face marejada de saudades...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Poema do absurdo"


POEMA DO ABSURDO
(Éric Meireles de Andrade)

Estou farto de escrever o poema do absurdo,
Pois a ditadura democrática em que vivo não me permite.
Meus heróis foram mortos por defenderem a liberdade,
Enquanto outros (tantos), nos mostram suas caras de hipocrisia.

Eta mundo estranho, moco e torpe,
O óbvio da violência, do desemprego e da esquizofrenia social

Nos oprime e nos cala como claustro em meio-dia.
Mas ao óbvio só nos permitem criticá-lo sentado,
Mas nunca beijar sua face, molhar seu disfarce...

E quando pulamos o muro do silêncio,
Somos difamados e jogados na maldita masmorra
Do ostracismo democrático.

Por isso é difícil escrever o poema do absurdo!
Quando não mais acredito em palhaços,
Quando cuspo em falsos profetas oportunistas
E minha claustrofobia rompe prisões de martírio.Socorro!

Socorra minha alma alva!
E negra bela de belos sonhos.
Canso das mentiras de meus falsos heróis
E durmo sempre com o inimigo oculto
Babando de inveja na porta de minha alcova...

Fragmentos da Poesia Marginal: "Rua do Arouche"


RUA DO AROUCHE
(Éric Meireles de Andrade)

Ô miséria de vida!
Em plena madrugada
O largo do Arouche não pára!
Os carros sim...
Param, buzinam, engolem bundas

De moleques que só vivem no escuro.
É uma primavera mórbida,
Estranha e fugaz.
A rua do Arouche transborda

De silêncios e tráficos de inocência.
É uma miséria de vida!
A alienação mente-corpo
De meninos velhos e mortos.

Toda a existência é pouca e moca...
Perdido num prédio cor de peixe,
Lá fora ouço a polícia subornar,
Os fracos de família comerem fiado
E a briga dos postes disputando o ponto...

Ô miséria de vida!...