SOLIDÃO
Eu sinto a solidão dos homens verdadeiramente solitários.
Levanto os olhos sobre a revista
e vejo do outro lado do balcão
o homem que mastiga seu sanduíche
com olhos de quem costumeiramente mira o nada.
Não seu interior, mas o nada mesmo,
a insubstância, a perspectiva da volta
para a casa desabitada,
onde não há vida durante todo o restar do dia.
Eu não falo com o homem do sanduíche
e os olhares de todos em redor não se cruzam.
Não são mal-educadas as pessoas solitárias,
são amargas, e talvez pouco levem além disso com elas,
um saco de papel marrom com restos
que sempre sobrarão putrefatos na geladeira,
fazendo companhia ao leite vencido, porém presente
como um atestado de indisfarçável condição.
À exceção de um esgar de inquietação,
são resignados os seres que partilham
suas miseráveis refeições.
Pode bem ser que nem tristes sejam
porque esse sentimento quedou abandonado
junto com tantos outros,
manchetes velhas amontoadas
num canto do quarto de empregada.
Há solitários amarrotados, elegantes, impecáveis,
escanhoados qual bebês, ou com pelos
que desleixadamente crescem
como se ao rosto nem pertencessem.
Não importa.
Por todo lado há a marca do olvido
em prédios de apartamentos
que empilham precoces asilos.
Estão à margem e já não recordam do outro lado
e de como a ele chegar, se lembrassem.
Pontas de cigarro queimam nas calçadas.
Não estão mortas, mas ninguém mais as fuma.
Logo serão varridas pelo vento e tragadas pelos bueiros,
rodando num turbilhão sem nexo.
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