Barra do Garças, outubro de 2006
Às margens do Araguaia
sentei e lembrei e sorri e chorei.
O som das águas, o canto dos pássaros
tocando fundo na caixa acústica de minha cabeça.
As lembranças de todo o tempo que a água levou.
Milhares e milhares de anos correndo em segundos.
Pedaços do tempo correndo em cada gota no rio.
Em cada gota, miríades de pensamentos
dos que sentaram a beira
e sorriram e choraram e cantaram…
Eu bebi dessa água, senti tudo isso:
amores, rancores, carinhos, sangue, ouro e diamantes.
Muita luta e muito luto sob o rio.
Nessas águas eu senti o luto, a luta, eu chorei.
O som das águas cantou para bichos,
gentes; e outros, nem tanto.
Aqui eu lembrei.
Dias olhando para o rio, o fascínio das águas.
O futuro, o passado, o presente,
a esperança, o desapontamento, a fé, a descrença.
As luzes lembraram o par de olhos que me guiam.
Brilhantes, firmes, tremulantes, lacrimosos e vivos.
Todos os olhares no mesmo olhar.
O medo, a coragem, a decisão, a dúvida.
Esses olhos que me encantam, me elevam
Sublimes, singelos, altivos e alegres.
O brilho das águas, o brilho do olhar…
A certeza de que a espera, de que
as águas não correm em vão.
O encontro das águas desenha os contornos da mulher,
da sereia e do boto, da diva e do falo,
da Afrodite e do arco do cupido, da amazona e da espada.
É o encontro de dois rios, dos corpos, duas águas, o x e o y,
Dois líquidos, do estrogênio e progesterona
com a testosterona,
O encontro das Garças e do Araguaia, matérias
que se unem fisicamente.
Dois corpos num só, um só líquido, uma só água,
um só corpo que se movimenta como dança.
Os rios dançam, cantam, gemem, gritam,
sorriem e choram, como um só.
Assim lembrei, senti, vibrei, sorri, chorei. Como um.
A distâncias quilométricas os rios estavam afastados,
distantes, sós.
No encontro, vibram, se misturam num só,
se tornam um só corpo e alma de rio.
Que corre para o futuro, sem tempo pra acabar.
Que suja e limpa, enche e esvazia. Que sempre está vivo.
Vivo como cada gota que corre por todo o tempo.
Como cada gota que corre no meu e dela, corpos de gente.
Que se encontram e correm juntos, traçam, no chão, na vida
o caminho de um só.
Sempre vivo e constante, cheio e baixo.
Corrente e cantando, com sol e com chuva.
O encontro dos rios e das águas,
dos corpos que traçam seus caminhos.
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